Bancos tradicionais, digitais e fintechs passaram a disputar um mercado que gira bilhões de reais ao ano e podem mudar o peso na balança da regulação do setor. Criptomoedas, bitcoin, criptoativos
Reprodução/TV Globo
A adoção dos criptoativos pelo mercado financeiro tradicional pode não estar agradando os puristas e os sonhadores em um mundo libertário e descentralizado. Mas ao que tudo indica, é um movimento sem volta.
Além da oferta de produtos financeiros tradicionais com foco em ativos digitais, como fundos de investimento e ETFs (fundos de índice negociados em bolsa), instituições financeiras e bancos digitais lançaram suas próprias plataformas de negociação direta de criptomoedas, disputando um mercado que movimentou, oficialmente, quase R$ 13 bilhões, em julho, segundo relatório mais recente da Receita Federal. O montante é impreciso por não incluir o volume total negociado pelas exchanges estrangeiras que operam no Brasil.
Além da concorrência entre si, agora, as exchanges nacionais e estrangeiras têm pelo caminho a Xtage, da XP, a Mynt, do BTG Pactual, e a Nubank Cripto, além da plataforma do Mercado Pago. Em breve, a Genial Investimentos deve oficializar o lançamento da sua própria, a Vexter.
A proposta destas instituições é trazer para o grande público, especificamente clientes já acostumados a produtos tradicionais de investimento, a possibilidade de adentrar ao mundo das criptomoedas, com mais segurança e confiança, associadas às suas marcas. Segundo os responsáveis por esses projetos, ouvidos pelo Valor Investe, a negociação com criptos já era uma demanda dos clientes, mas que não se sentiam confortáveis em operar em exchanges.
Em paralelo, a adesão das instituições financeiras ao mercado cripto pode influenciar o processo de regulamentação em curso? Essa não é uma resposta simples, já que envolve diferentes aspectos. Se, por um lado, instituições financeiras seguem regras rígidas de atuação e controle de operações e riscos, por outro, ativos digitais sequer foram classificados como moedas ou valor mobiliário.
“Com um cenário em que as criptomoedas ainda precisam se popularizar para o público em geral, estar lado a lado com serviços financeiros conhecidos é uma tática interessante”, aponta Rubens Neistein, gerente de negócios da CoinPayments. “Isso permite que as instituições financeiras possam vinculá-los a conta corrente ou cartão de crédito sem a aquisição de novos serviços.”
Neistein ressalta que a adesão dos bancos às criptomoedas representa mais um passo dessas empresas rumo à inovação e à digitalização de seus serviços e operações. “Tradicionalmente, o mercado financeiro sempre foi mais reticente às mudanças provocadas pela tecnologia. Por envolver a custódia de dinheiro, todo risco já é considerado elevado, e consequentemente, cada estratégia é pensada inúmeras vezes.”
Ele observa, no entanto, que nos últimos anos houve uma abertura sem precedentes no setor, impulsionada pela presença das fintechs e pela própria demanda reprimida dos usuários. “As instituições financeiras clássicas demoraram para perceber isso, mas quando aderiram, entraram num caminho sem volta”, afirma. “Adotar as criptomoedas, portanto, é apenas um reflexo dessa preocupação de valorizar a experiência do consumidor.”
André Portilho, chefe de ativos digitais do BTG Pactual, conta que, no início dos trabalhos no banco, o ambiente era peculiar. De um lado, os grandes entusiastas do bitcoin, com seu conceito libertário, quase anarco-capitalista, que “resolveria todos os problemas do mundo”. Do outro, os totalmente céticos, que só enxergavam a cripto como instrumento de pirâmide e de lavagem de dinheiro.
“Nos voltamos para, primeiramente, entender a tecnologia, de onde ela veio e para onde pode caminhar”, afirma. “Podemos associar o momento que a tecnologia cripto vive hoje, ao início da adoção da internet, que alcançou uma dimensão que, com certeza, seus idealizadores não faziam a menor ideia.”
Portilho acrescenta que o crescimento exponencial de uma inovação só acontece quando o grande capital entra em cena. “Tecnologia custa caro. Então, embora ela se desenvolva inicialmente em ambientes idealistas, com um grupo de pessoas muito competentes e muito capazes de inovar, o ganho de escala acontece quando o capital entra em cena, com grandes investidores e adoção institucional”, afirma. “É essa convergência que começou a acontecer agora.”
A entrada das grandes instituições no mercado cripto pode resolver a dor do cliente, aponta Portilho, que está dividido entre a vontade de uma nova experiência, mas cercado de notícias ruins. Além disso, ele não entende a tecnologia, como pode utilizá-la para realizar transações financeiras, investimentos. “O cidadão comum – fora das comunidades ‘nerds’ – precisa se sentir seguro e confiante para adotar uma nova tecnologia no seu cotidiano. As instituições tradicionais podem proporcionar esse sentimento e, consequentemente, uma disrupção em produtos e serviços.”
“O fato é que cripto é uma tendência global, que desperta interesse de uma enorme quantidade de pessoas em todo mundo”, afirma Thomaz Fortes, líder da área de cripto do Nubank. “Há espaço para todos, para aqueles mais avançados e experimentados nesse universo e para aqueles que querem aprender, mas encontram barreiras de acesso. A entrada de diferentes instituições financeiras no mercado cripto é uma resposta a essa tendência global. O que pode mudar a partir disso depende muito de cada instituição.”
“Acreditamos que haverá espaço para iniciativas centralizadas e também descentralizadas”, acrescenta Fortes. “Estamos apenas no começo da implementação dessa tecnologia, que pode trazer ganhos significativos de eficiência, escala para instituições financeiras e também autonomia para as pessoas”, reforça Fortes, reforçando que há um intenso investimento em inúmeras startups no mundo de cripto e de DeFi (Finanças Descentralizadas), com projetos muito interessantes.
A entrada do Mercado Pago no universo cripto também segue o objetivo de democratizar serviços financeiros, a partir de instrumentos inovadores dentro do conceito de banco digital. A fintech deu um passo a mais nesse sentido: lançou sua própria criptomoeda. Um utility token – como é chamado no ecossistema -, com a função inicial de reforçar a fidelização dentro do marketplace do Mercado Livre. “A Mercado Coin é uma recompensa aos nossos usuários pela compra de determinados produtos”, explica Ignácio Estivariz, diretor sênior de banco digital do Mercado Pago.
“A maioria dos criptoativos é limitada a um grupo de especialistas. Nós trouxemos de uma forma simplificada para os nossos usuários”, reforça Estivariz, acrescentando que cerca de 2 milhões de usuários já compraram cripto no Mercado Pago, em um universo de 38 milhões de usuários ativos.
Lucas Rabechini, diretor de Produtos Financeiros da XP, reforça que a entrada desses novos participantes traz para o mercado cripto a tradição, robustez e credibilidade que as instituições financeiras construíram ao longo do tempo.
“Além da segurança de fato, com compliance, custódia e suitability, tem maior impacto ainda a percepção e a sensação de segurança por parte do cliente”, afirma. “Na hora de decidir por um investimento, porque não optar pela instituição financeira na qual o cliente já confia o seu patrimônio?”
E o movimento não para. Em breve, a Genial Investimentos também anunciará oficialmente sua entrada no mercado cripto, com uma plataforma própria, a Vexter. “O motivo da Genial estar trabalhando na criação de uma plataforma de ativos digitais é a identificação de oportunidades que as demais exchanges ou plataformas de investimentos não estão conseguindo atender junto ao público brasileiro, além de estar em linha com o DNA inovador e orientado ao mundo cripto que temos”, justifica Rodrigo Haluska, sócio e diretor de negociação eletrônica na Genial.
“Em 2017/2018, os bancos tradicionais decidiram encerrar as contas das exchanges de cripto brasileiras e a Genial foi a única instituição brasileira que abriu as portas para esse tipo de negócio”, lembra. “A expectativa é de uma adesão entre 10% e 20% da nossa base, que está hoje em pouco mais de 1 milhão de clientes”, afirma Haluska.
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O outro lado
A concorrência é positiva e há espaço para todos é a opinião das exchanges mais tradicionais no mercado cripto brasileiro.
Para Fabrício Tota, diretor de novos negócios do Mercado Bitcoin, a entrada de instituições financeiras e bancos digitais no mercado cripto é muito positiva, principalmente levando em conta que o mercado vive um momento de baixa. “Isso comprova a atratividade e o potencial desse mercado”, reforça.
“Quando um mercado está em alta, tudo é festa, todo mundo quer entrar. Começar em um cenário de baixa, dá mais legitimidade, mostra que não é algo passageiro.”
O aumento da concorrência também é visto como um ponto positivo, inclusive com focos diferentes. “Aumenta a concorrência se você estiver pensando meramente em comprar e vender criptoativos. O que eu vejo são novas possibilidades no caminho daqui para o futuro, com novos tipos de serviços, a construção de interfaces dentro do universo cripto. Além disso, a experiência do cliente no ambiente familiar do seu banco pode abrir as portas para as exchanges que oferecem produtos mais sofisticados, interagir com outros protocolos”, aponta. “Enxergamos muitas oportunidades.”
“A Binance acredita que hoje existe espaço para que muitos participantes atuem dentro do mercado cripto no Brasil e no mundo”, destacou a maior plataforma de negociação de criptomoedas do mundo, que opera no Brasil, em nota enviada ao Valor Investe. A Binance afirmou ainda que “o Brasil é um mercado extremamente relevante e vamos continuar a investir e expandir serviços para os usuários locais, bem como contribuir para o desenvolvimento do ecossistema blockchain e cripto no país. Isso inclui a regulação do setor”, reforça o comunicado.
Novos pesos
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“Os bancos só atuam quando têm demanda. Então, se eles entraram agora é porque a demanda chegou e, com isso, vai aumentar a liquidez do mercado. Se os bancos estão comprando, mais pessoas vão ter interesse em vender”, destaca Diego Perez, presidente da ABFintechs.
“No Brasil, há cinco bancos que detêm quase 80% da carteira de serviços financeiros disponíveis. São mais ou menos uns 25 milhões a 30 milhões de pessoas que ainda não acessam o mercado de criptoativos e poderiam acessar. Esse é um impacto real que pode trazer a presença dos bancos no mercado de cripto”, destaca Perez.
O presidente da ABFintechs destaca ainda que a entrada desses novos participantes dá mais peso para a discussão sobre a regulamentação do setor de criptos. “O peso muda porque o mercado vai ter de estabelecer mecanismos de proteção ao consumidor. Os serviços financeiros também são suscetíveis ao direito do consumidor”, afirma.
“As instituições financeiras já possuem precedentes mencionando que, em caso de erro, falha, omissão, fraude em qualquer item na jornada da distribuição do produto financeiro, a responsabilidade é da instituição financeira, independentemente se ela tem culpa ou não. Por exemplo, se houve uma fraude no Pix, o banco reembolsa primeiro e depois vai atrás do culpado.”
Regulação
O mercado financeiro tradicional é altamente regulado, com exigências e mecanismos que garantam segurança ao consumidor e estabilidade financeira de todo o sistema, por meio do Banco Central, Receita Federal, Coaf, entre outros órgãos. E ainda assim, episódios de insolvência e prejuízos acontecem. Uma das questões sobre a entrada das instituições financeiras no mercado cripto é sobre seus efeitos na legislação em discussão, notadamente o Projeto de Lei (PL) 4401/2021, que deve ser votado em breve na Câmara dos Deputados.
“Acho que a percepção do legislador não muda e não deveria mudar, porque a regulação que está vindo é principiológica”, afirma Portilho, do BTG. “Vai caber a um órgão específico a parte infralegal, o detalhamento, que é mais fácil de alterar à medida que a tecnologia vai se desenvolvendo.” Ele ressalta que “não interessa se é real, se é dólar, se é debênture, ou se é cripto. Se você está prestando serviços financeiros, deve ser regulado, sem impedir a inovação.”
Portilho reforça que o Brasil possui uma indústria financeira “altamente sofisticada, uma população altamente adepta de tecnologias, um marco regulatório bom”. “Eu acho que vai ser uma tremenda evolução para o nosso mercado, vai trazer capital, vai trazer investimento, vai gerar emprego.”
“Acreditamos que a regulamentação do setor será fundamental para trazer mais segurança a todos os envolvidos, o que contribuirá para o crescimento sustentável e um alinhamento de obrigações, práticas e condutas para a atuação neste mercado”, ressalta Fortes, do Nubank.
Uma das questões colocadas sobre a regulamentação dos prestadores de serviços de criptos é a dificuldade no processo de transição. Instituição de pagamentos autorizada pelo Banco Central, o Mercado Pago, conta Perez, já operava quando teve de se adequar às normas do BC. “Essas empresas passarão pelo que a gente passou. Com um prazo para se adequarem”, afirma. “A regulamentação, sem inibir a inovação, vai trazer mais segurança e mais transparência ao mercado.”
Tota, do Mercado Bitcoin, acredita que as instituições tradicionais agregam mais uma força no processo de regulamentação do mercado cripto. “Essas instituições já têm várias regras para seguir, do balanço financeiro à prevenção à lavagem de dinheiro. Elaborar mais um relatório para enviar para a Receita Federal, por exemplo, elas fazem com os pés nas costas.” Segundo ele, provavelmente vão exigir que os demais participantes desse mercado e concorrentes também sigam as mesmas regras.
Tota entende que o progresso no andamento do PL 4401 “dá uma certa confiança para esses novos entrantes e tira a sombra de ‘terra de ninguém’ que poderia parecer”. “Você não abre uma banca de jornal aqui se você não não tiver uma permissão oficial, não vende cerveja no Carnaval. Da mesma forma, qualquer empresa que preste qualquer serviço no Brasil precisa de um CNPJ, adesão ao código de defesa do consumidor, recolher impostos, etc.”
No comunicado enviado ao Valor Investe, a Binance afirmou que “atua em total acordo com o cenário regulatório do Brasil e em permanente diálogo com as autoridades locais para desenvolvimento do setor, que inclui a regulação do segmento, sobretudo que diz respeito à coibição a crimes de lavagem de dinheiro e ilícitos financeiros. A exchange acrescentou ainda que “é totalmente comprometida com compliance e acredita que a regulação é o único caminho para que a indústria cripto possa se desenvolver e atingir o grande público”.
“Gostemos ou não, os criptoativos já são uma realidade mundial”, afirma Leandro Vilain, diretor de Inovação, Produtos e Serviços Bancários da Febraban. “Ainda que seja atualmente utilizado como instrumento de especulação, por outro lado também vem sendo usado como alternativa a situações de crise monetária, como ocorreu na Venezuela e na Argentina, por exemplo”.
Ele ressalta que a regulamentação do mercado de cripto não deve focar no ativo em si, mas nos mecanismos de negociação. “É como o mercado de derivativos futuros, como soja, petróleo. Tem alto risco, mas não dá para controlar o preço do barril de petróleo. Há regras para os instrumentos financeiros utilizados para negociar esses ativos. Com cripto deve ser a mesma coisa.”
Outro ponto importante, destacado por Vilain, é a obrigatoriedade do suitability, a análise realizada para verificar os investimentos adequados para cada perfil de cliente. “O investidor precisa ter transparência em relação aos riscos, de acordo com seu perfil e objetivos”, reforça. “Todas as instituições que comercializam criptos devem ter esse compromisso com o investidor, com a sociedade.”
Rabechini, da XP, reforça ainda que a regulação deve ser construída ao longo do tempo, acompanhando a inovação constante de criptoativos. “Não dá para caracterizar que bitcoin, stablecoin e um token de precatório têm a mesma natureza”, pontua. “São muitas particularidades que também definem cada prestador de serviço e para qual órgão deverá prestar conta. Nesse sentido, tanto Banco Central quanto CVM têm mais do que competência para assumir as atribuições que forem estipuladas.”
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