Trigo também começa a ser cotado para substituir territórios dos dois alimentos básicos. Retração da área foi acompanhada pelo aumento da produtividade, mas total das colheitas diminuiu. A área de plantio de alimentos básicos da população, como arroz e feijão, teve uma forte redução em relação a 2006, quando o Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) passou a divulgar o Levantamento Sistemático da Produção Agrícola (LSPA).
Boa parte dessa área foi direcionada para as culturas de soja e milho, que, por sua vez, vêm batendo recordes de produção.
Os dois grãos (soja e milho) são commodities, ou seja, matérias-primas para a indústria, que são negociadas no mercado internacional e exportadas como ração para animais de criação. Já o arroz e o feijão, produzidos em boa parte pela agricultura familiar, são focados no mercado interno.
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Em 16 anos, período total dos registros dos dados, a área de plantio de arroz caiu praticamente pela metade (-44%), enquanto a do feijão encolheu 32%. No mesmo período, a área de soja quase dobrou ( 86%), enquanto a de milho cresceu 66%.
Apesar da queda na área do arroz e do feijão, houve o aumento da produtividade de ambos os plantios. Ainda assim, essa alta não é o suficiente para compensar toda a área perdida, dizem os agricultores ouvidos pelo g1.
Nessa reportagem, você verá:
por que a área de arroz e feijão caiu?
a queda é suficiente para causar a falta dos dois grãos?
quais os riscos da redução da área e da produção?
como reverter a queda?
Por que a área de arroz e feijão caiu?
O principal motivo para a redução da área do arroz e do feijão foi o avanço da soja e mais recentemente do milho sobre esses territórios, afirmam agricultores entrevistados.
No caso do arroz, que tem o seu polo produtor no Rio Grande do Sul, houve ainda a substituição de plantios pela pecuária, conta Carlo Antônio Schifino, associado da Cooperativa Arrozeira Palmares, em Palmares do Sul (RS).
Para os produtores, tem sido mais rentável cultivar soja e milho pelo lucro gerado na exportação, principalmente nos últimos anos, com o dólar rodando em patamares elevados. Diferentemente dessas culturas, o arroz e o feijão abastecem exclusivamente o mercado interno.
Área plantada de arroz e feijão
Elcio Horiuchi / g1
Schifino conta que a soja começou a entrar em áreas do arroz em um sistema de rotação, ou seja, que alterna as duas culturas em uma mesma terra, em épocas diferentes. Ela favorece a nutrição do solo por agregar nitrogênio.
“Porém, de 5 anos para cá a soja pegou um ritmo mais forte. Ela deixou de ser só participativa e, hoje, algumas áreas já produzem mais soja do que arroz e feijão, por exemplo”, diz o agricultor.
O trigo é outro produto que deve entrar no jogo. Mais recentemente, ele tem sido cotado para substituir as áreas de arroz, afirma Felippe Serigati, professor e coordenador do mestrado profissional em Agronegócios da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Já o feijão é a cultura com maior redução estimada de área, com uma perda que deve totalizar 1,048 milhão de hectares na próxima década. O arroz vem em segundo lugar, com projeção de perda de 1,046 milhão de hectares, segundo o Instituto Brasileiro do Feijão e Pulses (Ibrafe).
Cada hectare corresponde a um pouco mais de um campo de futebol, cerca de 10.000 m².
A situação do feijão é mais crítica por ser um grão muito sensível ao clima e um cultivo com menos avanço tecnológico que o arroz, diz Laercio Dal Ross, gerente da agroindústria da Cooperativa Agrícola Mista Nova Palma (Camnpal).
Sem estímulo para continuar, os produtores têm arrendado suas propriedades para o plantio da soja.
A expectativa é de que, nos próximos anos, haja mais agricultores desistindo das duas culturas, caso não haja incentivos, inclusive públicos e que sejam voltados para a agricultura familiar, grupo responsável por produzir boa parte dos alimentos consumidos pela população.
Caro de produzir
Além de serem menos rentáveis que as commodities, o arroz e o feijão têm um custo de produção mais elevado do que elas, diz o Presidente da Federação das Associações de Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz), Alexandre Velho.
“O custo da soja é a metade do arroz. Enquanto eu gasto R$ 12 mil por hectare, o produtor de soja gasta R$ 6 mil ”, conta o presidente da Fedearroz.
Segundo ele, a lavoura de arroz gasta muito mais com irrigação do que a soja. “O custo com a mão de obra também é maior. Enquanto na lavoura de arroz eu preciso de 1 funcionário para cada 50 hectares, a de soja precisa de 1 funcionário para cada 200 hectares”, acrescenta Velho.
Neste ano, o que mais pesou para os agricultores foi o fertilizante, cujo preço disparou no início do ano por causa da guerra na Ucrânia e é mais usado nessas culturas do que na soja, aponta a Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja).
Também houve aumentos significativos nos agrotóxicos e no óleo diesel, destaca o agricultor João Batista Camargo Gomes, ex-diretor comercial do Instituto Riograndense do Arroz (Irga).
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Quem produz commodities também consegue se planejar melhor, pois os preços são pré-estabelecidos no mercado, o que não existe para arroz e feijão, ressalta o presidente do Instituto Brasileiro do Feijão e Pulses (Ibrafe), Marcelo Lüders.
Por causa desse cenário, os produtores de feijão preto, por exemplo, estão no prejuízo, conta Laercio Dal Ross, da Camnpal.
“Hoje o produtor de feijão tem que gostar muito dessa cultura para não abandonar, pois tem muitos motivos para isso. Precisamos incentivar o aumento do consumo de feijão para que esse importante alimento não seja extinto da produção agrícola”, afirma.
Aumento da produtividade não foi suficiente
A redução da área de plantio foi compensada pelo aumento da produtividade, o que significa que, hoje, o produtor consegue colher mais arroz e feijão por hectare do que há 16 anos.
“As primeiras áreas de arroz abandonadas foram as de menor potencial produtivo. Hoje, há uma concentração da produção em número menor de produtores e em terras mais produtivas. Só ficaram aqueles que conseguiram se estabelecer”, conta a Diretora executiva da Associação Brasileira da Indústria do Arroz (Abiarroz), Andressa Silva.
Ainda assim, as colheitas diminuíram de 2006 para cá. A safra do arroz, por exemplo, teve uma redução de 7,7% no período, para 10,6 milhões de toneladas. Já a de feijão caiu 9,5%, para 3 milhões de toneladas.
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Tem arroz e feijão para todos?
Atualmente, sim. A produção de arroz e feijão tem sido compatível com o consumo da população, segundo dados Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), estatal do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) que gere políticas de abastecimento interno.
Um dos fatores que contribuiu para certa estabilidade entre procura e demanda foi a diminuição das compras dos dois grãos.
De 2008 a 2018, a média de consumo diário de feijão por pessoa, por exemplo passou de 183 gramas para 163,2 gramas. No caso do arroz, essa média recuou de 160,3 gramas a 131,4 gramas, mostra a Pesquisa de Orçamentos Familiares do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O órgão não tem dados mais atuais sobre este tema.
Brasileiro consome mais café do que arroz.
Daniel Ivanaskas / Arte G1
Durante algum tempo, principalmente nos anos 2000, a redução do consumo de arroz e feijão esteve relacionada ao aumento do poder de compra das famílias, fator que incentivou uma maior variedade do cardápio, lembra Nilson de Paula, professor do Departamento de Economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR), especializado em Segurança Alimentar.
Por outro lado, a situação hoje é de falta de recursos da população para acessar alimentos, destaca.
Inclusive, cerca de metade das famílias que deixaram de comprar arroz, feijão, vegetais e frutas nos últimos três meses (até setembro) convivem com a insegurança alimentar moderada ou grave, mostra pesquisa da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan).
Entenda os níveis de insegurança alimentar.
Daniel Ivanaskas / Arte G1
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Quais os riscos da redução da área e da produção?
A falta de incentivos ao plantio de arroz e feijão traz riscos para a segurança alimentar no futuro, diz Nilson de Paula, da UFPR.
Isso porque uma redução da produção pode gerar aumento de preços e enfraquecer ainda mais as políticas públicas de abastecimento interno e de distribuição de alimentos, afirma o professor.
“A conta não fecha e os reflexos são graves. O principal deles é a falta de um dos principais produtos da cesta básica brasileira na mesa da população, seguido do aumento do preço nas gôndolas, que acaba limitando o poder de compra de boa parte das famílias. Ou seja, falta do alimento de qualquer forma, seja por escassez ou por preço”, diz Lüders, da Ibrafe.
Para ele, falta investimento em tecnologia para aumentar a produtividade, principalmente vindo do setor privado, que não tem tanto interesse por esse tipo de cultivo, na comparação com as commodities.
Gente do campo: Simone Silotti
Para De Paula, o governo deveria incentivar o plantio desses grãos e incorporar uma parte para reabastecer os estoques públicos de alimentos, que estão esvaziados há mais de cinco anos.
A ideia é que as reservas de alimentos sejam distribuídas para pessoas em situação de vulnerabilidade ou vendidas a mercados quando os preços sobem.
Outros especialistas ouvidos pelo g1 discordam disso e apontam que o custo de manutenção e preço mínimo são desafios para essa política pública. Confira aqui.
Já para Serigati, da FGV, a garantia da segurança alimentar está mais relacionada à distribuição de renda. “O importante não é que a economia produza A ou B, mas sim renda. Países europeus, como Dinamarca, Holanda, não produzem tanto, mas têm renda para comprar alimentos”, afirma.
De Paula concorda que é preciso ter políticas de distribuição de renda, mas que abrir mão de estimular a produção de alimentos básicos pode gerar uma crise de abastecimento e dependência de importação – o que, para ele, não seria bom em momentos de fechamento de fronteiras, como visto durante a pandemia.
“Mesmo que você tenha a distribuição de renda, ficaríamos mais dependentes da variação do dólar”, diz. Para ele, nesse caso, quando o dólar tivesse uma alta, o arroz também encareceria.
O Brasil já importa um pouco de arroz dos parceiros do Mercosul (Argentina, Paraguai e Uruguai), mas o feijão carioca, por exemplo, só é produzido aqui.
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Quais são as soluções?
Especialistas entrevistados sugerem diferentes soluções para manter agricultores nas lavouras de arroz e feijão:
1) Incentivo público para aumentar a área plantada: isso pode ser feito por meio dos estoques públicos, sugere o ex-diretor de política agrícola da Conab (2003 a 2013) Silvio Porto, que é professor da Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB).
Ele explica que um dos mecanismos para abastecer os estoques é a Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM).
“Dentro da PGPM, tem um instrumento chamado ‘Contrato de Opção de Venda’. O governo pode lançar esses contratos para a próxima safra, sinalizando que quer formar, por exemplo, um estoque de 1,5 milhão de toneladas de arroz e que, para isso, vai pagar um valor atrativo e compensador que a soja para o agricultor”, afirma Porto.
Essa sinalização, diz ele, tende a incentivar os produtores a aumentar o plantio sabendo que a venda de parte da safra já estaria garantida. Isso os ajudaria a se manter na cultura.
2) Estímulo à agricultura familiar: como este grupo é focado em produzir alimentos que vão direto para a mesa das pessoas, Nilton de Paula, da UFPR, diz que é preciso que o governo aumente investimentos em programas que interfiram diretamente neste setor, como o Alimenta Brasil (antigo Programa de Aquisição de Alimentos, o PAA) e a merenda escolar, representada pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).
3) Apoio à produção de fertilizantes: para o produtor de arroz João Batista Camargo Gomes, é necessário que o Brasil diminua a sua dependência externa da compra de fertilizantes. “Poderia haver incentivos públicos para as empresas nacionais fabricarem esses insumos”, afirma. “Nós sentimos muito a dependência de outros mercados neste ano, com o conflito na Ucrânia”.
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4) Reforma tributária: com a incidência da alíquota de ICMS, o arroz produzido no Rio Grande do Sul acaba chegando mais caro em outros estados do país, que, por sua vez, podem importar o cereal do Mercosul com alíquota zero, explica a diretora executiva da Abiarroz, Andressa Silva. Para ela, é preciso, portanto, de uma reforma tributária que amenize a carga de tributos e acabe com a guerra fiscal entre os estados.
5) Abertura de mercados: já para o produtor de arroz Carlo Antônio Schifino, os agricultores precisam abrir mercados em outros países para aumentar as opções de rentabilização. “O Brasil teria que criar esse viés como alguns países, como Mexico e Peru, que já importam [arroz] da gente”.
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