Efeitos do período prologado de fechamento das escolas ainda serão sentidos a curto e a longo prazo. É preciso que o Ministério da Educação assuma uma postura de ‘protagonista’ para coordenar um esforço nacional de recuperação dos alunos, explicam educadores. Fachada do Ministério da Educação, em Brasília
Marcos Oliveira/Agência Senado
Enquanto as escolas brasileiras ficaram fechadas, em média, por 279 dias na pandemia, faltou ao Ministério da Educação (MEC) uma postura de articulação nacional para conter a tragédia que se desenhava (e que ainda perdura em 2022): falta de acesso ao ensino remoto, aumento das desigualdades, evasão de alunos e defasagens de aprendizagem. Essa é a avaliação de especialistas ouvidos pelo g1 nesta reportagem, que lista quais devem ser as prioridades na educação durante o futuro governo Lula, a partir de 2023.
“Precisamos voltar a ter um MEC que discuta problemas reais”, afirma Olavo Nogueira Filho, diretor-executivo do movimento Todos pela Educação.
Em resumo, os especialistas dizem que “um novo capítulo da educação será escrito” caso haja também, além do fortalecimento do ministério:
ações articuladas para a recuperação da aprendizagem de crianças e jovens (dados mostram que, na pandemia, mais do que dobrou a porcentagem de crianças de 8 anos que não sabem ler e escrever palavras como “vovô”);
recomposição do orçamento da educação básica, que, em 2023, tem a menor previsão de verba dos últimos 11 anos, segundo consultorias da Câmara e do Senado;
combate à evasão (o Unicef mostra que 11% das crianças e adolescentes estão fora da escola no Brasil);
investimentos em segurança alimentar (estudo mostra que valores do Programa Nacional de Alimentação Escolar – PNAE – estão defasados);
foco na formação e nas carreiras de professores;
valorização das universidades públicas, afogadas em sucessivos cortes de orçamento;
mudanças estruturais, reforço de políticas de primeira infância e de alfabetização.
Veja os detalhes desses desafios abaixo.
Até a última atualização desta reportagem, o MEC, procurado pelo g1, não havia comentado as críticas dirigidas a ele.
Apoio do MEC aos estados e municípios: ‘Precisamos recuperar a capacidade administrativa’
Ao longo da gestão do presidente Jair Bolsonaro (PL), derrotado nas eleições do último domingo (5), cinco ministros foram nomeados para o MEC – o penúltimo, Milton Ribeiro, chegou a ser preso após um escândalo envolvendo a interferência de pastores na distribuição de verba da pasta.
“O próximo ministro deve resgatar a credibilidade institucional [do ministério] e o papel de apoiar estados e municípios na implementação de políticas públicas. Sem um MEC coordenador e protagonista, teremos o que vimos nos últimos anos: cada um dos entes trabalhando de maneira apartada, enquanto o ministério lava as suas mãos e deixa todos [abandonados] à própria sorte”, diz Nogueira Filho.
Gregório Grisa, professor do Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS), afirma que é importante aprovar o chamado “Sistema Nacional de Educação”, atualmente em pauta no Congresso, para promover uma maior articulação entre os governos municipais, estaduais e federal.
O especialista afirma também que “precisamos recuperar a capacidade administrativa dos órgãos ligados ao MEC”, como:
o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), alvo de denúncias de assédio a servidores e de tentativas de interferência ideológica em provas oficiais, como o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem);
a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), palco de dezenas de demissões de funcionários em 2021, após divergências nos critérios de avaliação e de abertura de cursos de mestrado e doutorado;
o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), tido como “a pérola do MEC”, envolvido no escândalo do ex-ministro Milton Ribeiro.
Recuperação da aprendizagem: crianças de 8 anos não sabem ler ‘vovô’
No Brasil, a porcentagem de crianças do 2º ano do ensino fundamental que ainda não sabem ler e escrever nem mesmo palavras isoladas (como “mesa” e “vovô”) mais do que dobrou de 2019 a 2021, mostram os dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), divulgados pelo Inep em setembro deste ano.
O mesmo levantamento mostra que, em matemática, 2 de cada 10 alunos de 8 anos não sabem somar e subtrair.
São apenas dois exemplos da defasagem de conteúdos agravada pela pandemia de Covid-19. Será preciso agir com coordenação nacional para reverter o quadro, explica Nogueira Filho, do Todos Pela Educação.
“Apesar de o governo federal atual ter se retirado de campo, temos estados e municípios que fizeram lição de casa e que estão avançando. O próximo MEC tem referências em que se inspirar. Deve identificar boas experiências e induzir e apoiar para que outras cidades façam algo parecido”, diz.
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Combate à evasão: mais de 2 milhões de alunos fora da escola
Em pesquisa de setembro de 2022, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) afirmou que 11% das crianças e adolescentes entre 11 e 19 anos estão fora da escola no Brasil. São 2 milhões de alunos longe das salas de aula.
“O governo federal precisa, junto com estados e municípios, garantir que todos façam uma busca ativa escolar bem estruturada [para trazer os estudantes de volta] e elaborem políticas de auxílio financeiro para os jovens do ensino médio, porque muitos são forçados a colocar a educação em segundo plano para trabalhar”, diz Nogueira Filho.
Com a defasagem de conhecimentos aumentada na pandemia, pode aumentar o desinteresse dos adolescentes pelas aulas — outro elemento de risco para um possível abandono nos próximos anos.
Nas creches, os números também preocupam: entre 2019 e 2021, houve uma diminuição de quase 338 mil matrículas.
Segundo Beatriz Abuchaim, especialista em educação infantil e gerente de Conhecimento Aplicado da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, “o número de matrículas na educação infantil vinha crescendo na série histórica”.
“A queda é um fenômeno preocupante que requer compromisso e prioridade absoluta dos gestores para ser revertida”, diz.
Políticas de permanência nas escolas: alunos precisam de merenda e de acolhimento
Anna Helena Altenfelder, presidente do Conselho de Administração do Cenpec (ONG que trabalha pela equidade na educação pública), reforça que o desafio não é apenas combater a evasão (seja qual for a faixa etária do aluno). É preciso também garantir condições de permanência nas escolas, como:
ações de acolhimento emocional;
políticas de alimentação adequada (com reajustes nos valores transferidos para a merenda);
aprendizagem alinhada à Base Nacional Comum Curricular (BNCC – documento que estipula os conteúdos que obrigatoriamente devem ser oferecidos aos alunos) e ao novo ensino médio.
“É possível identificar severos cortes no orçamento que afetam sobretudo a educação básica. No Brasil, 68% das cidades têm menos de 20 mil habitantes e precisam de recursos do MEC para garantir o atendimento aos alunos”, diz Altenfelder.
“Os alunos mais afetados são os que já estavam em situação de vulnerabilidade, como pobres; pretos, pardos e indígenas; e habitantes das zonas rurais e das regiões Norte e Nordeste do país. Eles devem ser a primeira prioridade.”
Para 2023, a educação básica tem a menor previsão de verba dos últimos 11 anos, segundo dados compilados pelas consultorias de orçamento da Câmara e do Senado. O Projeto de Lei Orçamentária (PLOA), enviado pelo governo Jair Bolsonaro ao Congresso Nacional, prevê R$ 11,3 bilhões ao setor, sem considerar a complementação da União ao Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb).
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Investimento em universidades públicas: ‘É uma questão de sobrevivência’
No ensino superior, o principal desafio será a recomposição orçamentária, após os sucessivos cortes e bloqueios, diz Ricardo Marcelo Fonseca, presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes).
“É uma questão de sobrevivência. Precisamos que o novo MEC compreenda o papel do ensino superior como estratégico para o futuro”, diz.
“E entram aí questões sempre importantes: adequada remuneração dos professores, formação de funcionários e reajuste das bolsas da pós-graduação.”
Grisa, do IFRS, lembra que são as universidades que vão formar também os profissionais que atuarão nas escolas. “Precisamos de programas de indução à docência mais robustos, porque vivemos um apagão elevado de professores em algumas regiões. Isso vai se agravar nos próximos anos. Devemos incentivar a juventude [a essa carreira].”
Nogueira Filho, do Todos Pela Educação, também coloca a questão dos professores como “condição absolutamente necessária para um projeto transformador de educação”.
“O esforço deve ser para mudar radicalmente a formação inicial dos docentes, além de induzir que os estados e municípios repensem essas carreiras, em critérios de remuneração, condições de trabalho e políticas de desenvolvimento profissional.”
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