Parentes e amigos são a maior fonte de empréstimo no país, segundo levantamento da Boa Vista Serviços. Baixe modelo de contrato para usar e evitar problemas. Dívidas
Wagner Magalhães/g1
A cada 10 pessoas que fizeram empréstimo no Brasil no primeiro semestre do ano, sete pegaram o dinheiro com parentes, familiares ou amigos. E só três conseguiram com bancos e financeiras, segundo levantamento da empresa Boa Vista Serviços.
Isso quer dizer que a maior parte do valor emprestado na economia foi feito entre pessoas conhecidas e, muitas vezes, na informalidade e com base na confiança.
Não há dados sobre a inadimplência desse tipo de negócio, mas não faltam relatos sobre calotes sofridos por quem empresta dinheiro, cartão, crediário e CPF.
Em julho deste ano, o g1 contou a história da Ana Paula Araújo. Parte considerável dos mais de R$ 80 mil que Ana devia para bancos e financeiras eram dívidas feitas pela irmã dela – que pedia não só dinheiro como o cartão de crédito emprestado. (Veja mais sobre a história dela no vídeo abaixo)
O resultado foi o nome sujo, o rolo de juros em cima de juros, e uma Ana de mãos atadas, sem saber como garantir o pagamento.
‘Ganho R$ 2,2 mil e devo R$ 16 mil por mês’ – como começar a organizar suas dívidas
Mas há esperança. Apesar de parecer impossível reaver o dinheiro, há meios legais de conseguir a determinação do pagamento. A estudante Jéssica Oliveira teve que enfrentar até audiência depois de uma petição que protocolou, sem advogado, para receber de volta o dinheiro emprestado para o ex-namorado.
“Para entrar com um processo, eu precisava esgotar as tentativas de falar com ele. Mandei e-mail, mensagem no WhatsApp, SMS e carta. No final, eu tinha print e documentação de tudo. Fui até o Juizado de Causas Especiais e ele foi intimado. Quando ele recebeu a intimação, me desbloqueou e veio falar comigo”, contou.
Nesse meio tempo, finalmente marcaram a audiência. “Fiquei cara a cara com ele. Ele tremia de ódio. Mas consegui receber.”
Como cobrar o ‘calote’ na Justiça
Existem três tipos de ação que autorizam um credor a cobrar seu devedor:
Execução
Monitória
Cobrança
A Execução é o meio “mais rápido e efetivo” de resolver a questão, segundo o advogado Demétrius Dalcin. Mas também o que exige mais provas. Para entrar com essa ação, é preciso ter um contrato com firma reconhecida ou duas testemunhas. Dependendo da defesa, o juiz pode mandar bloquear suas contas.
Nesse tipo de ação, o devedor não tem alternativa: se não pagar voluntariamente dentro de 15 dias, começa a execução forçada, e o juiz pode penhorar bens, bloquear contas, passaporte, CNH e cartões de créditos.
“São temas bastante discutíveis, porque as apreensões de documento, por exemplo, podem interferir no direito de ir e vir. Mas os tribunais brasileiros têm evoluído cada vez mais com ferramentas para a integração da pesquisa de bens. É o caso do sistema Sniper, do Conselho Nacional de Justiça, que cruza dados de pessoas e empresas para localizar bens e ativos”, explica o advogado Rafael Schlickmann.
Existe também a Monitória. Para entrar com esta ação, é preciso ter uma prova escrita, “um título que se possa cobrar” e que tenha sido feito, no máximo, há dois anos, explica o advogado. Nesses casos, o juiz sentencia que a pessoa pague a dívida em até três dias ou apresente uma defesa em 15.
E, por fim, a Cobrança. Para entrar com essa ação, são aceitos quaisquer tipos de prova, como transferência bancária, testemunhas oculares, mensagens de texto.
“Eu já vi ação de cobrança com papel de pão de boteco. O dono bar falou: ‘assina aqui: devo R$ 500 ao João’. O cara entrou com ação de cobrança, ganhou a ação, converteu em um título executivo, bloqueou as contas e pegou o dinheiro atualizado”, conta Dalcin.
Mas esse caminho é mais trabalhoso, pois exige investigação. A pessoa precisa demonstrar de todas as formas possíveis que houve o empréstimo e a negativa de pagamento. Então, o devedor é chamado para apresentar uma defesa e o juiz vai julgar o processo. Se o credor ganhar a ação de cobrança, ele pode entrar com uma ação de execução.
“A gente pode pedir para penhorar até 30% do salário da pessoa. Não é algo tão simples, porque juiz vai designar um perito para ver as contas dessa pessoa, olhar os holerites todo mês para apurar, então você tem que gastar para receber. Não é uma prática muito usual, mas existe a previsão”, explica Dalcin.
Como se proteger para empréstimos futuros
Exigir garantias na hora de emprestar dinheiro ou cartão para um parente ou amigo pode gerar uma saia justa, mas é imprescindível. “É uma relação de confiança. É muito complicado, porque, para você se proteger, você tem que exigir garantias”, explica o advogado Rafael Schlickmann.
A melhor alternativa para se proteger antes de emprestar dinheiro para algum conhecido é fazer um contrato. Nele, é preciso especificar o máximo de informações possíveis, como valor, prazo e condições de recebimento. Também é importante deixar um espaço para a assinatura de duas testemunhas.
“Esse tipo de negociação é chamada de contrato de mútuo, que tem previsão expressa no Código Civil Brasileiro”, explica Schlickmann.
“Tem que ter designação das partes, o valor emprestado, qual a forma de pagamento, se vai ser uma devolução à vista ou parcelada, datas de pagamento, correção desse dinheiro no tempo segundo algum índice, previsão de juros, penalidades de atraso, vencimento antecipado. Existem várias questões, além de que deve ser assinado das duas partes, acompanhadas de duas testemunhas, para que ele possa se caracterizar como um título executivo”, completa.
Também é possível se proteger por meio de garantias. O advogado diz que as maneiras mais simples de fazer isso são o estabelecimento do pagamento de fiança ou de um fiador. Mas existem outras, como colocar um bem em garantia.
Veja, abaixo, um modelo de contrato adaptado da plataforma 99contratos:
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