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A líder indígena que desafiou Cristóvão Colombo e foi condenada a uma morte trágica

A líder indígena que desafiou Cristóvão Colombo e foi condenada a uma morte trágica


Memória de Anacaona, cujo nome significa “flor de ouro”, permanece viva até hoje, mais de 500 anos após a sua morte. A líder Anacaona dando as boas-vindas aos espanhóis (Cromolitografia – ‘La Civilización’, volume III, 1882)
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Seu nome significava “flor de ouro” — e Anacaona era realmente uma bela e poderosa princesa do povo taíno.
E também foi uma mulher culta e talentosa, que acreditava na paz, na convivência e pagou com a vida por isso. Talvez por esta razão ela seja uma das poucas indígenas cujo nome é mencionado nos primeiros anos da conquista da América, no final do século 15.
Na sua História das Índias (1527-1547), o frei Bartolomeu de las Casas a descreveu como “uma mulher admirável, muito prudente, muito graciosa e palaciana em suas palavras, artes e gestos, muito amiga dos cristãos”.
E o padre jesuíta francês Pierre François Xavier de Charlevoix escreveu no seu livro Histoire de l’Isle Espagnole ou de S. Domingue (“História da ilha de La Hispaniola ou de São Domingos”, em tradução livre) que ela era uma mulher “muito inteligente, superior ao seu sexo e à sua nação”.
Embora poucos cronistas a tenham conhecido ou tenham sido testemunhas dos fatos, escritos como estes permitiram traçar a história de uma mulher que se tornou lenda. Sua memória permanece viva até hoje, mais de 500 anos após a sua morte.
Filha de família poderosa
Acredita-se que Anacaona tivesse 18 anos de idade no dia 5 de dezembro de 1492, quando Cristóvão Colombo e sua tripulação chegaram à ilha que os nativos chamavam de Quisqueya (“mãe de todas as terras”), Bohio (“casa dos taínos”), Babeque (“terras do ouro”) e Ayti.
Os europeus batizaram a ilha de La Hispaniola, hoje dividida entre o Haiti e a República Dominicana.
Naquela época, a ilha era principalmente dominada pelo povo taíno. E, segundo De las Casas, havia cinco caciques, cada qual responsável por uma região da ilha — os cacicados.
A região maior e mais populosa era Jaragua, que estava sob o comando do cacique Bohechío, irmão de Anacaona. Ela morava em Maguana, depois de ter se casado com o cacique daquela região, Caonabo.
Anacaona era respeitada e querida não só pela sua posição, mas também por compor poesias e canções.
Por isso, ela se destacava nos areítos, que eram manifestações culturais e religiosas do povo taíno, que usavam narração de histórias e dança para celebrar eventos importantes, como a visita de um cacique ou o sucesso da colheita.
A história de Anacaona é repleta de lendas, mas afirma-se que sua posição perante a chegada dos espanhóis inicialmente foi positiva e, mesmo após diversas decepções e consciente do poderio dos conquistadores, nunca deixou de defender a paz e a convivência.
Abusos e destruição
Em dezembro de 1492, Colombo ordenou a construção da Fortaleza de La Navidad, com os restos do navio Santa Maria, no litoral norte da ilha de La Hispaniola.
Ilustração da construção da Fortaleza de La Navidad. ‘Vida y viajes de Cristóbal Colón’, Gaspar e Roig, 1851
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Colombo indicou 39 homens para cuidar dessa primeira construção espanhola na ilha e, antes de partir, ordenou a eles que não abusassem dos nativos.
Mas os homens não o obedeceram e, quando Colombo regressou, em 1493, o forte estava destruído.
O primeiro cronista oficial das Índias, Gonzalo Fernández de Oviedo, relatou que todos os homens haviam sido mortos pelos indígenas, “que não suportaram seus excessos, já que eles tomavam as mulheres e as usavam como quisessem, além de praticarem outros abusos e causarem ressentimentos, como pessoas sem liderança e desordenadas”.
Caonabo foi considerado responsável e alguns relatos indicam que Anacaona, ao saber dos maus tratos dos espanhóis às mulheres indígenas, foi quem o convenceu a atacá-los.
Mas existem historiadores que contestam esta versão, como Luisa Navarro, ex-diretora da Faculdade de História e Antropologia da Universidade Autônoma de Santo Domingo, na República Dominicana.
Adorada por seu povo, Anacaona foi a ‘líder máxima de toda a população’, segundo a historiadora Luisa Navarro
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Segundo a historiadora, era quase impossível chegar à Fortaleza de La Navidad sem meios de transporte adequados.
“Para chegar ao local onde ficava a fortaleza, era necessário subir pela cordilheira setentrional e descer pelo outro lado, até chegar à região costeira do vale do Atlântico”, explicou Navarro à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC.
Seriam necessárias 63 horas para fazer esse trajeto a pé. “Como Anacaona teria feito essa viagem para saber o que estava acontecendo e voltar para contar a Caonabo?”, questiona ela.
Outros historiadores suspeitam que Caonabo foi declarado culpado por razões políticas e que as acusações que o navegador espanhol Alonso de Ojeda usou para detê-lo, dois anos depois, eram falsas. E até a forma de aprisioná-lo foi enganosa.
Segundo Navarro, antes de prendê-lo, Ojeda propôs um acordo. Ele ofereceu ao cacique um presente e, quando ele estendeu as mãos para aceitá-lo, puseram-lhe os grilhões.
“Caonabo morreu aprisionado com correntes e grilhões”, segundo De las Casas, quando uma tempestade afundou a embarcação que o levava à Espanha, em 1496. Anacaona tornava-se assim a rainha viúva de Maguana.
O encontro com o irmão de Colombo
Anacaona mudou-se para viver com seu irmão Bohechío, na vizinha região de Jaragua. Ali, ela era “respeitada e temida” como o cacique, segundo Gonzalo Fernández de Oviedo.
Pouco depois, chegou à região Bartolomeu, o irmão mais novo de Cristóvão Colombo. E, mesmo com a deterioração das relações com os conquistadores, Anacaona convenceu Bohechío a reconhecer a soberania dos reis católicos e comprometer-se a pagar um imposto que já era cobrado em outras regiões da ilha.
Os navios espanhóis chamavam a atenção de Anacaona
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Os cronistas da época relatam que a visita de Bartolomeu Colombo foi um evento festivo, marcado por celebrações. Os presentes foram tantos que ele precisou fretar uma caravela para poder transportá-los.
Colombo, de sua parte, convidou Anacaona e Bohechío a visitar seu navio. Quando foram dados tiros em sua honra, o ruído os perturbou tanto “que quase se jogaram na água de espanto; mas, quando viram Bartolomeu rindo, acalmaram-se”, segundo o cronista Antonio de Herrera y Tordesillas.
O mesmo cronista acrescenta que, após o incidente, eles “observavam a popa e a proa ao seu redor, entraram na caravela, foram ao porão e ficaram atônitos”.
Já segundo De las Casas, a visita à caravela “deixou o rei e a rainha alegres, bem como a todos os senhores, e seus acompanhantes ficaram muito satisfeitos”.
Este é um dos poucos fatos conhecidos da vida de Anacaona — e um dos mais felizes.
Cacique de Jaragua e Maguana
Em 1502, Anacaona, cacique de Maguana, perdeu seu irmão. E, em reconhecimento ao seu valor e inteligência, ela foi nomeada cacique da “coluna vertebral” da ilha: Jaragua.
Naquela época, La Hispaniola estava abalada. Havia ocorrido uma rebelião de espanhóis frustrados, além de um levante de diversos caciques indígenas que lutavam contra os invasores.
O novo governador das Índias — o comendador de Lares, frei Nicolau de Ovando — propôs-se a pacificar a ilha. A longínqua região de Jaragua estava na sua mira, não só porque ali se haviam refugiado os rebeldes espanhóis, mas também porque haviam chegado rumores de que Anacaona e outros caciques estariam conspirando contra a coroa espanhola.
Por isso, as ideias de “pacificação” do governador e da cacique eram muito diferentes.
Apesar do desprezo e dos contínuos abusos dos espanhóis contra os indígenas, Anacaona estava convencida de que somente uma paz estável poderia salvar seu povo. Mas a paz que Ovando desejava não trazia acordos, nem salvações.
O governador organizou suas tropas e partiu em direção a Jaragua, enquanto Anacaona organizava uma grande recepção para o comendador.
A armadilha
Em um domingo de julho de 1503, Anacaona recebeu Ovando na praça de Jaragua com grandes festas, cantos e danças, como era de costume. O governador chegou com 70 homens a cavalo e 200 andarilhos.
Compareceram também à celebração dezenas de caciques, súditos de Anacaona. Ela foi uma das últimas a chegar à praça, acompanhada da filha e de outras líderes mulheres.
“Ela organizou um areíto para Ovando… e mais de 300 donzelas participaram da dança, todas suas criadas, solteiras…”, conta Fernández de Oviedo.
Depois de várias demonstrações das celebrações dos taínos, os homenageados convidaram os indígenas a reunir-se em uma choupana para retribuir as honras com um espetáculo próprio.
Entusiasmados e desarmados, os caciques e seus acompanhantes reuniram-se em uma casa de madeira e palha. Enquanto eles presenciavam uma competição, Ovando deu o sinal combinado para seus homens, que os capturaram, amarraram e queimaram vivos.
Enquanto isso, outros espanhóis atacavam os indígenas que estavam no lado de fora. De las Casas conta que eles cortaram as pernas das crianças enquanto elas corriam. E, quando algum espanhol tentava salvar uma criança fazendo-a montar no seu cavalo, outro se aproximava e “atravessava a criança com uma lança”.
A condenação
Por vários meses depois do massacre, Nicolau de Ovando conduziu uma sangrenta campanha de perseguição contra os indígenas, até que foram quase exterminados da ilha, segundo Samuel M. Wilson no seu livro Hispaniola: Caribbean Chiefdoms in the Age of Columbus (“La Hispaniola: Os cacicados do Caribe no tempo de Colombo”, em tradução livre).
Suas campanhas sangrentas e uma série de epidemias reduziram a população de La Hispaniola, das 500 mil pessoas estimadas na época da chegada de Colombo, para apenas 60 mil nativos, segundo dados do censo de 1507 no Manual de la Historia Dominicana (“Manual da história dominicana”, em tradução livre), do historiador Frank Moya Pons.
Anacaona e sua filha sobreviveram ao ataque, que passou para a história como o Massacre de Jaragua. O sobrinho da cacique, Guarocuya ou Enriquillo, também se salvou e se rebelaria contra os espanhóis 15 anos depois.
Mas a sorte da cacique seria efêmera. Ela foi capturada, levada a Santo Domingo e condenada à forca por conspiração.
O diretor do Museu de Anacaona afirma que ela “foi a rainha taína mais adorada pelo povo. Não baixou a cabeça até o último dia e deu sua vida por eles”.
Já Navarro a descreve simplesmente como “a líder máxima de toda a população, não somente nesta ilha [La Hispaniola], mas também em Porto Rico, Cuba e parte da Jamaica”.
Sua história é recordada em canções, como “Anacaona”, do cantor porto-riquenho Cheo Feliciano, e nos poemas que levam seu nome, escritos pela poetisa dominicana Salomé Ureña.
Este texto foi publicado em www.bbc.com/portuguese/geral-63343598

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