Bruna Barbosa conta que, na instituição de ensino onde estudou, a maior parte dos negros era da equipe de funcionários, principalmente da limpeza. ‘Cursos de saúde são embranquecidos’, diz. Bruna mostra o canudo com o diploma do curso de enfermagem
Arquivo pessoal
“A preta do morro (se) formou, felicidade resume!”, escreveu Bruna Barbosa, de 24 anos, ao postar uma foto sua na colação de grau da faculdade de enfermagem. Nas redes sociais, o diploma novinho em folha, obtido no início de setembro, recebeu 200 mil curtidas desde quarta-feira (7).
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Até vestir a beca, a jovem enfrentou uma série de obstáculos: defasagens no ensino público de Três Rios (RJ), um ano inteiro sem aulas na escola (por causa de uma greve na rede estadual do Rio de Janeiro em 2016), depressão, dificuldades financeiras e uma certa sensação de deslocamento.
É que, na instituição privada onde ela se formou pelo Fundo de Financiamento Estudantil (Fies), em Juiz de Fora (MG), havia “poucos pretos, quase todos nas equipes da limpeza ou da biblioteca”.
“Isso me doía. Os cursos da área da saúde são muito embranquecidos”, diz.
Segundo o estudo “Demografia Médica no Brasil”, organizado pela Universidade de São Paulo (USP) em 2020, apenas 3,4% dos concluintes de medicina no Brasil autodeclaravam-se de cor preta. A maior parte (67,1%) definia-se como branca, seguida de uma parcela de 24,3% de pardos, 2,5% de amarelos e 0,3% de indígenas (2,4% não quiseram responder). Não há dados específicos sobre enfermagem.
“Uma vez, eu estava descendo as escadas, e uma tia [da faxina, negra] me parou e falou: ‘você não sabe o orgulho que é te ver aqui’. Foi muito bom ouvir isso dela. Porque realmente é difícil chegar lá”, conta Bruna.
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Lucinete Barbosa, mãe da jovem, também trabalha neste setor, ganhando um salário mínimo mensal para limpar casas e uma escola.
“Ela chorou muito na colação de grau. Foi emocionante para nós duas”, diz.
Lucinete, mãe de Bruna, trabalha como faxineira e ganha um salário-mínimo por mês
Arquivo pessoal
‘Incomoda o fato de eu estar feliz’, diz Bruna, sobre ‘coitadismo’
Ao postar a foto do diploma nas redes sociais, Bruna recebeu uma série de mensagens de incentivo, mas também críticas por ter se definido como “a preta do morro”.
“Muita gente disse que eu me vitimizei, que eu não precisaria ter falado da minha cor. O que penso é que quanto mais pessoas pretas se formarem, melhor. Estou aqui falando no meu morro, onde vejo os meninos de 12 anos na droga e as pessoas da minha cor sem oportunidade”, afirma.
“Mas é fácil julgar, né? Parece que incomoda o fato de eu estar feliz. Não entendo.”
Pressão de dever R$ 240 mil
Bruna conseguiu entrar na faculdade por causa do Fies, programa do Ministério da Educação (MEC) que financia parcialmente ou integralmente as mensalidades de instituições de ensino particulares. É como um empréstimo: depois de se formar, o aluno paga a dívida em parcelas.
“Eu pensei bastante, porque é muito dinheiro, R$ 240 mil. Fico preocupada, mas a felicidade de estar formada é maior.”
Enquanto estiver desempregada, a jovem deverá pagar R$ 500 por mês. Depois, quando conseguir uma vaga, haverá um desconto mensal na folha de pagamento, proporcional ao seu salário.
“Tenho fé de que vou conseguir trabalhar na área de emergência hospitalar e pagar tudo em dia. Estou com esperança.”
Bruna conta dos obstáculos até conseguir se formar
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