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Cancelamento de leilões de energia pelo governo divide setor elétrico

Cancelamento de leilões de energia pelo governo divide setor elétrico

Governo cancelou três dos cinco leilões previstos para o último quadrimestre. Associações ligadas ao setor consideram que medida antecipou a necessidade de repensar modelo de contratação de energia. O cancelamento, pelo governo, de três leilões de energia previstos para o último quadrimestre deste ano dividiu o setor elétrico. Alguns representantes consideram a decisão acertada, enquanto outros apresentaram pontos de divergência.
Associações de consumidores, de geradores e de distribuidoras de energia consultadas pelo g1 consideraram que a medida antecipou a necessidade de repensar o modelo de contratação de energia.
Os cancelamentos foram oficializados na última quarta-feira (14) em portaria publicada no “Diário Oficial da União” (DOU). Não serão mais realizados neste ano:
Leilão de Energia Nova A-6: aconteceria em setembro e iria contratar novos empreendimentos eólicos, fotovoltaicos, termelétricos e hidrelétricos para fornecimento de energia a partir de 2028;
Leilão para Suprimento aos Sistemas Isolados: atenderia aos chamados sistemas isolados (regiões do país que não estão interligadas ao sistema elétrico nacional, como Roraima); o certame estava marcado até então para outubro;
Leilão para Contratação de Reserva de Capacidade na forma de potência: contrataria usinas não intermitentes, como as termelétricas, para garantir a segurança do fornecimento de energia elétrica em momentos críticos das hidrelétricas. O leilão aconteceria em novembro.
No caso do último, o governo ainda pretende retomar o leilão, mas em outro formato. Já os dois primeiros foram cancelados definitivamente.
Em nota, o Ministério de Minas e Energia diz que cancelou o leilão de Energia Nova A-6 “em virtude da ausência de declaração de necessidade de compra de energia elétrica por parte das distribuidoras de energia [que seriam responsáveis por comprar a energia ofertada no leilão]”. Ou seja, as distribuidoras não se mostraram interessada em adquirir o produto.
Já o certame para os sistemas isolados foi cancelado, segundo o MME, porque o déficit de energia nessas regiões é pequeno e pode ser compensado, a princípio, por medidas de redução de perdas.
Com relação ao leilão para contratar energia na forma de potência, o ministério diz que a suspensão foi necessária para revisão das regras do certame. O objetivo, segundo a pasta, é pautar o leilão pela neutralidade tecnológica, ou seja, sem reserva de mercado para determinadas fontes.
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O que diz o setor
Os cancelamentos dividiram o setor elétrico. Representantes das distribuidoras de energia, dos consumidores e das usinas eólicas consideraram as decisões acertadas, enquanto as associações de usinas termelétricas e fotovoltaicas apresentaram pontos de divergência.
A associação de usinas hidrelétricas também foi consultada pelo g1, mas não se manifestou.
A favor:
Luiz Barata, porta-voz da Frente Nacional dos Consumidores de Energia, considerou as decisões pertinente. Segundo ele, o país não precisa comprar energia nova neste momento.
Barata disse ainda que lamenta que um outro leilão, para contratação de usinas termelétricas imposto pela privatização da Eletrobras, marcado para 30 de setembro, não tenha sido cancelado também. “Esse leilão da Eletrobras é custoso e desnecessário.”, afirmou.
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O presidente da Associação Brasileira de Distribuidoras de Energia Elétrica (Abradee), Marcos Madureira, também se manifestou a favor dos cancelamentos. De acordo com Madureira, como as distribuidoras já têm energia contratada de longo prazo, não existe previsão de contratações futuras em grandes volumes.
Com relação ao leilão de reserva de capacidade, o presidente da Abradee disse que o adiamento foi correto, para o governo poder equilibrar os custos entre mercado regulado (atendido pelas distribuidoras) e livre (quem compra energia direto do fornecedor).

A CEO da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica), Elbia Gannoum, disse, em nota, que também compreende o cenário que levou o governo a cancelar o Leilão de Energia Nova A-6.
“Foi uma decisão acertada considerando-se a baixíssima demanda prevista ou, no caso, a ausência de declaração das distribuidoras”, afirmou.
Elbia também classificou como pertinente a decisão de cancelar o Leilão para Contratação de Reserva de Capacidade para que o governo tenha tempo de concluir estudos que tendem a permitir que outras fontes de energia participem.
O vice-presidente da Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar), Márcio Trannin, afirmou que o cancelamento de leilões de energia nunca é bom. No entanto, para ele, os motivos do governo para os cancelamentos são compreensíveis diante dos fatores de incerteza sobre a demanda futura do setor elétrico e a abertura do mercado livre de energia.
Contra:
Por outro lado, o presidente da Associação Brasileira de Geradoras Termelétricas (Abraget), Xisto Vieira Filho, classificou como equivocada a decisão do governo de cancelar o leilão de reserva de capacidade.
Segundo ele, o setor foi pego de surpresa e o país precisa contratar 5 mil MW de potência para garantir a segurança do fornecimento de eletricidade.
“Quando você vai para um leilão, você se prepara três a quatro meses antes, contrata estudos, escritórios de advocacia, especialista para fazer a conta de custo. Gasta um dinheiro enorme”, explica, alertando que decisões como essa podem afugentar investidores.
Outros fatores
Especialistas consultados pelo g1 veem outros fatores, além dos apresentados pelo governo, que levaram levaram ao cancelamento dos leilões:
sobrecontratação das distribuidoras de energia elétrica. Ou seja, as distribuidoras têm contratos em curso nos quais compram mais energia do que conseguem vender. Por causa disso, atualmente, as distribuidoras estão buscando contratos mais curtos.
possibilidade de abertura do mercado livre de energia para todos os clientes conectados em alta tensão e também em baixa tensão, o que vai diminuir ainda mais a necessidade de leilões, que visam atender o mercado regulado (clientes de distribuidoras);
crescimento da geração distribuída, ou seja, de quem gera a própria energia que consome.
Esses fatores também têm antecipado a discussão sobre a necessidade de repensar o modelo de contratação de energia, segundo alguns dos especialistas consultados.
Novo formato de leilões
Em evento em São Paulo no mesmo dia da portaria que cancelou os leilões, o ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida, confirmou que o governo está estudando mudanças na estrutura dos leilões de energia.
Na ocasião, Sachsida defendeu a chamada “neutralidade tecnológica”, sem dar detalhes sobre seus planos. Apenas disse que a ideia é “diminuir o poder de Brasília” na escolha das fontes de geração de energia que são contratadas, além de buscar fontes “limpas, seguras e baratas”.
Neutralidade tecnológica é o nome dado à contratação sem reserva de mercado. Ou seja, permitindo que as fontes de geração de energia compitam entre si. Atualmente, os leilões são direcionados de acordo com a demanda das distribuidoras ou decisão do governo.
Luiz Barata, da Frente Nacional dos Consumidores, concorda com a ideia de leilões sem reserva de mercado, mas disse que a competição não pode ser só por preço. Ele defende olhar também para os atributos de cada fonte, já que as usinas eólicas, solares, termelétricas e hidrelétricas têm, cada uma, vantagens e desvantagens para o setor.
Marcos Madureira, da Abradee, tem a mesma visão. “Eu não posso ter uma fonte que, eventualmente, tenha custo menor, mas que não traz um atributo de capacidade competindo com outra fonte que traz mais atributos. É importante que mais fontes participem dos leilões, mas não podemos esquecer da confiabilidade do sistema.”
Normalmente, usinas termelétricas e hidrelétricas com reservatório trazem mais confiabilidade ao sistema. No caso das térmicas, elas ainda podem ser acionadas mais rapidamente, o que é ideal em tempos de crise energética ou de picos de demanda. Já as usinas eólicas e solares dependem do clima, porém são mais baratas e limpas.
O presidente da associação que representa as térmicas, Xisto Vieira Filho demonstra preocupação com a ideia de um leilão de capacidade pautado pela “neutralidade tecnológica”. “Tem que fazer os leilões de acordo com os tributos de cada tipo de fonte”, defende.
“Você tem que satisfazer três pontos [num leilão]: preço; meio ambiente; e segurança [energética].Não pode a turma que planeja o sistema elétrico fazer leilão pautado somente do ponto de vista ambiental, sem olhar para a segurança do sistema”, completa Viera Filho.
Redução dos leilões
Márcio Trannin, vice-presidente da Absolar, pondera que, devido à abertura do mercado livre de energia (em discussão pelo governo e pelo Congresso), cada vez mais, os leilões de energia vão perder protagonismo.
“A nossa expectativa, com a liberalização de mercado, é que você tenha um mercado livre cada vez mais pujante. Significa dizer que o leilão vai perder protagonismo na expansão de qualquer tecnologia. Quem vai determinar a expansão de cada tecnologia a partir da liberalização é o mercado livre.”
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