Psicóloga especializada em esportes explica como o estado mental pode afetar o resultado de uma partida e mostra a importância de identificar líderes, sabotadores e bodes expiatórios dentro de um time. Katia Rubio entende que os títulos vêm apenas quando a equipe coloca os objetivos coletivos acima dos individuais
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A psicóloga Katia Rubio, professora da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP), entende que as Olimpíadas de 2020, disputadas em Tóquio, no Japão, representaram um divisor de águas na relação entre a mente e a performance esportiva.
“Nunca se falou tanto sobre saúde mental e esporte como durante e após os jogos olímpicos mais recentes”, avalia.
Vale lembrar que a disputa ocorreu em meio à pandemia de covid-19, em que todo mundo precisou fazer isolamento e ficar longe de familiares e amigos. Durante a competição, o caso da ginasta americana Simone Biles, que desistiu de algumas provas por questões relacionadas ao bem-estar mental, ganhou as manchetes mundo afora.
Será que um cenário parecido vai se repetir na Copa do Mundo de 2022, disputada no Catar?
Rubio, que também foi presidente da Associação Brasileira de Psicologia do Esporte, dedica a carreira a estudar o tema e resgatar a memória de atletas brasileiros.
Na visão dela, a resistência sobre saúde mental no mundo do futebol também está diminuindo consideravelmente nos últimos anos.
“E isso acontece com mais força no futebol feminino, que já soma várias intervenções de sucesso”, diz.
“No masculino, há uma resistência maior, até pelo machismo e por aquela falsa noção de que homem não chora, é potente e não pode falar de questões sentimentais.”
“Isso só atrasa o acesso a um apoio fundamental para a vida do atleta”, lamenta a psicóloga.
Mas Rubio vê que, até entre os homens, esse bloqueio emocional está diminuindo aos poucos.
Ela cita o exemplo de jogadores que classifica como “pioneiros na saúde mental”, por falarem abertamente que consultaram psiquiatras e foram diagnosticados com depressão.
Nas últimas duas décadas, atletas como Pedrinho, ex-jogador de Palmeiras e Vasco, e Nilmar, que vestiu as camisas de Internacional, Corinthians e Santos, deram entrevistas sobre o tema.
“Eles prestaram um serviço imensurável ao esporte, pois se colocaram na posição de pessoas que sofrem, como qualquer um. E isso começou a promover um ‘degelo’ nas questões mentais dentro do futebol”, lembra.
Saúde mental em primeiro plano
A profissional também destaca como a psicologia é relevante dentro do esporte competitivo.
“A saúde mental entra em campo com a mesma influência da preparação física, da nutrição, da fisiologia, da biomecânica…”, lista.
“E não há dúvidas de que a mente interfere diretamente na performance de um atleta”, complementa.
Ou seja: um atleta que está com algum desequilíbrio no bem-estar mental não vai conseguir focar na jogo. Com isso, ele não será capaz de tomar as melhores decisões para si e para a equipe — o que chega a afetar até o placar final de uma partida.
Rubio cita outra preocupação constante dos especialistas da área que lidam com atletas: o sono.
“Sabemos que o dia anterior à competição costuma ser mais complicado para eles.”
“E temos uma série de estratégias para que os jogadores possam dormir bem, até porque uma boa noite do sono é fundamental para que eles tenham as condições mínimas para atuar em campo”, aponta.
Katia Rubio dedica a carreira de pesquisadora a entender a psicologia esportiva e resgatar a história de atletas brasileiros
BBC
A Copa que vem por aí
Rubio entende que, para o Brasil ser campeão novamente, será preciso que “os ganhos coletivos se sobressaiam aos projetos individuais”.
“Me parece que, para a atual geração de jogadores, o mais importante é a possibilidade de conseguir contratos comerciais a partir das vitórias”, analisa.
Na visão da psicóloga, isso representa uma barreira para as grandes conquistas.
“Enquanto uma equipe não entende que todos ganham com um título, fica muito difícil chegar a uma vitória na final”, analisa.
A pesquisadora também destaca outro aspecto que influencia na relação entre a seleção e os brasileiros: o fato da maioria dos jogadores disputar as ligas europeias e estar longe da realidade do país.
“Muitos atletas vão para o exterior, ascendem socialmente, ampliam de forma incontrolável o patrimônio e se desvinculam da vida que tinham anteriormente”, descreve.
“E isso acontece porque a carreira deles é mediada por outras pessoas, que os veem como um objeto, uma commodity. Na cabeça desses empresários e dirigentes, quanto mais apartados das questões sociais esses atletas estiverem, melhor.”
“Mas é claro que existem jogadores que, de alguma forma, preservam o controle da vida pessoal e criam uma rede de apoio bem estruturada, capaz de criar um escudo contra essas influências”, complementa.
E essa falta de contato com a realidade pode ficar escondida por muitos anos, até desaguar em situações específicas.
Como exemplo, a psicóloga lembra dos momentos em que os jogadores brasileiros cantavam o Hino Nacional antes dos jogos da Copa do Mundo de 2014, disputada no país.
“Ali, ficava muito evidente o nível de descontrole de alguns. Para aquelas pessoas, que viviam há anos fora do Brasil, esse sentimento ficou trancado numa caixinha e saía de uma só vez naquelas ocasiões”, avalia.
Entre líderes e bodes expiatórios
A psicóloga reforça a relevância de identificar o perfil de cada jogador e como ele pode contribuir durante o jogo.
“Há uma máxima que diz: a melhor equipe não é aquela com a maior soma de valores individuais, mas como esses valores se relacionam”, cita.
Ela explica que, de forma geral, é possível dividir os indivíduos em introvertidos e extrovertidos. A partir daí, alguns serão racionais, sentimentais, intuitivos ou sensitivos.
“Veja como é complexo identificar esses perfis e fazer com que eles interajam em equilíbrio ao longo de um jogo”, observa.
Rúbio destaca o papel do técnico — e da equipe de psicólogos do time — em identificar as lideranças em campo.
“No futebol, há o capitão, em que o papel de líder é materializado pela braçadeira no braço. Mas podem existir outras referências técnicas e cognitivas dentro de uma equipe.”
A capitã de um time precisa ser reconhecida como líder pelas companheiras, afirma Rubio
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“E cada um deles se sobressai em contextos específicos. Num momento de maior tensão da partida, alguns atletas vão chamar a responsabilidade para criar as jogadas. Agora, quando é preciso ter sangue frio para manter um placar favorável, outros podem exercer um segundo tipo de influência”, compara.
“Uma equipe campeã começa quando o técnico é capaz de identificar todos esses perfis e tirar o melhor de cada jogador, segundo as características deles”, resume.
Mas é claro que esses traços também podem ter influências negativas e naufragar o trabalho do time inteiro.
Rubio cita o papel dos atletas que atuam com sabotadores e aqueles que viram bodes expiatórios.
“O sabotador age por baixo dos panos para endereçar interesses pessoais acima dos coletivos”, ensina.
Com isso, ele consegue eleger e manipular bodes expiatórios que, na pior das consequências, são apontados como culpados diante de um insucesso.
“É função do técnico e do líder identificar e desmascarar esse sabotador”, avalia
“Até porque, quando é identificado, esse indivíduo se vê exposto e perde a influência”, conclui a pesquisadora.
Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/geral-63512442
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