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‘Don’t Say Gay’: como funciona a lei que proíbe escolas da Flórida de falarem sobre orientação sexual e identidade de gênero

‘Don’t Say Gay’: como funciona a lei que proíbe escolas da Flórida de falarem sobre orientação sexual e identidade de gênero


Colégios podem ser processados se abordarem tópicos ligados a temas LGBTQIAP . ‘Minha filha não pode falar de suas duas mães?’, questiona professora casada com uma mulher. Daffne Cruz, vice-diretora de um colégio da Flórida, afirma que é insana a lei conhecida como ‘Don’t Say Gay’
Arquivo pessoal
“Don’t Say ‘Gay’” — “Não Fale ‘Gay’”, traduzido do inglês — é como ficou conhecida a lei que, desde o início do semestre, proíbe as escolas da Flórida, nos Estados Unidos, de abordarem temas como orientação sexual ou identidade de gênero.
Oficialmente chamada de “Direitos dos Pais na Educação”, a norma permite que os responsáveis por crianças da pré-escola até o 3º ano do ensino fundamental movam uma ação judicial contra professores que tocarem em um dos assuntos vetados.
“É uma lei da mordaça”, define a PEN America, ONG fundada em 1922 para defender a liberdade de expressão nos Estados Unidos.
As limitações atingem também os alunos mais velhos: pelo estatuto, os docentes só devem propor discussões em sala de aula sobre os temas considerados “apropriados” (o texto não dá detalhes nem define qual o critério para julgar algo como adequado, no caso dos adolescentes).
Ao g1, Suzanne Trimel, consultora da PEN America, diz que os EUA vivem uma onda de conservadorismo na educação, com a apresentação cada vez mais frequente de projetos que censuram discussões sobre questões LGBTQIAP (leia mais abaixo).
“[O estatuto] impede o progresso em direção a uma sociedade mais inclusiva. Tentar calar discursos sobre sexualidade e identidade pessoal envia uma mensagem perturbadora: a de que algumas vozes devem ser silenciadas”, afirma.
Abaixo, nesta reportagem, veja:
o depoimento de uma professora (e mãe de aluna) sobre a censura que está sofrendo nas aulas desde o início do semestre;
o caso de uma escola que colou adesivos de advertência nas capas de livros infantis (como em uma obra que mostrava, em ilustrações, diferentes configurações de famílias);
um balanço sobre o número de projetos de lei dos EUA que querem limitar as discussões sobre gênero nas salas de aula.
‘Minha filha não pode falar sobre suas duas mães?”
Vice-diretora de escola relata que passou a enfrentar mais obstáculos para garantir um espaço ‘livre e seguro’ aos alunos
Arquivo pessoal
Daffne Cruz, vice-diretora de um colégio da Flórida, conta que o currículo do ensino fundamental nunca trouxe questões relacionadas à sexualidade ou à identidade de gênero. Mas é natural que, no dia a dia, os próprios alunos tragam dúvidas ou comentários sobre esses assuntos.
“Minha filha, por exemplo, está no primeiro ano. Ela não pode falar sobre suas duas mães na escola? Não quero que ela seja censurada. Isso não é justo com crianças cujas famílias não seguem o padrão social”, diz Daffne ao g1.
Para tentar fazer com que seus próprios alunos se sintam respeitados, a professora de ensino médio passou a grudar um adesivo na porta da sala de aula. Ilustrado com um desenho de arco-íris para representar a diversidade, ele sinaliza que o espaço é seguro (“safe space”). Veja a foto abaixo.
Adesivo de ‘Safe space’ não foi mais entregue para a escola após a aprovação da lei
Arquivo pessoal
No entanto, desde que os “Direitos dos Pais na Educação” passaram a vigorar, em 1º de julho, o distrito escolar recusou-se a imprimir e entregar esses adesivos para Daffne.
“É insano. No fim das contas, os alunos estão aqui para aprender. E eles não vão aprender se não se sentirem seguros e confortáveis. Quero que eles saibam que, embora tudo isso esteja acontecendo, [nossa aula] é um oásis de segurança, sim”, afirma.
No início de setembro, um grupo de pais, alunos e uma ONG pediram a um juiz federal que libere as escolas de seguirem as restrições impostas pelo “Don’t Say Gay”. Até a última atualização desta reportagem, nada havia mudado.
O governador da Flórida, Ron DeSantis, disse que “boicotes não vão mudar a nova lei”.
Livro sobre menino que gosta de brilho? Só se for com advertência
‘Garoto Brilhante’, livro sobre menino que gostava de glitter, recebeu uma etiqueta com ‘advertência’
Reprodução
Um distrito escolar no sul da Flórida, Collier County Public Schools, promoveu uma revisão em todos os livros disponíveis nas bibliotecas e grudou uma etiqueta de “Advertência para os pais” na capa das obras que “podem despertar preocupação nas famílias”.
“Recebemos reclamações da comunidade sobre alguns livros que estavam nos nossos centros de mídia. Para o ano letivo de 2022-2023, temos um comitê de revisão que fornece essas orientações aos pais”, diz Jennifer L. Kupiec, representante de comunicação do distrito escolar. “Estamos atentos em proteger os direitos de todos.”
Ao g1, Kupiec enviou a lista de obras que receberam a notificação na capa. Entre elas, estão:
“Sparkle boy” (“Garoto brilhante”): sobre Casey, um menino que adora brincar de quebra-cabeça e caminhãozinho, mas também ama brilho e glitter – quer até usar a saia nova da irmã. Ela não aprova a ideia, mas depois entende que as pessoas podem vestir o que quiserem.
“Red, uma história do giz de cera”: sobre um giz vermelho que produz riscos azuis e tem dificuldade de ser aceito.
“Everywhere Babies” (“Bebês em todo canto”): mostra, em ilustrações, o dia a dia de bebês (comendo, dormindo ou brincando) em diferentes arranjos familiares.
‘Bebês em todo canto’ retrata diferentes configurações familiares
Reprodução
Onda de conservadorismo
Segundo o relatório divulgado em agosto de 2022 pela PEN America, 23 projetos – incluindo o da Flórida – foram apresentados neste ano para limitar as discussões sobre LGBTQIAP nas escolas dos Estados Unidos.
Entre eles, estão um de Louisiana, que queria proibir discussões sobre gênero nas salas de aula, e um de Ohio, que visava a abolir qualquer material didático que abordasse o tema. Os dois foram barrados.
“Tais projetos evidenciam um desejo entre os legisladores de censurar educadores em mais lugares. Eles usam medidas mais extremas e têm boas chances de serem reintroduzidos em 2023”, afirma Trimel.
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