Manifestações gigantescas desencadeadas por morte de jovem desviam o foco sobre a rígida conduta do vestuário feminino para o fim do regime que rege o país desde 1979. Mulher corta o cabelo em público como forma de protesto no Irã.
Yasin AKGUL / AFP
Protestos contra a teocracia iraniana ocorrem esporadicamente em ondas, que têm em comum a brutal repressão do regime como resposta. Há 11 dias, o país se agita pela morte de uma jovem – Masha Amini, de 22 anos –, sob custódia da chamada “polícia moralista”, que a prendeu alegando que o seu véu estava folgado e deixava à mostra um pouco do cabelo.
A fúria feminina contra a lei que obriga as mulheres a usarem hijab e roupas folgadas se manifestou na queima de véus e cortes de cabelo. Mas o foco dos protestos já se desviou das regras rígidas do vestuário para um confronto desafiador ao regime comandado por aiatolás, que governa a nação desde 1979. Mistura também queixas sobre o alto custo de vida e a falta de liberdade individual.
Os protestos pedem a derrubada do regime e se multiplicam num momento delicado. Rumores dão conta de que o aiatolá Ali Khamenei, líder supremo do país desde 1989, enfrenta sérios problemas de saúde e já estaria manejando a escolha de seu sucessor.
Eleito presidente no ano passado, o ultraconservador Ebrahim Raisi é um dos cotados. Ele ascendeu ao poder porque os demais candidatos ao pleito foram desqualificados por imposição do sistema clerical que rege o país.
Linha dura, Raisi é apontado como outro fator de insatisfação, ao reverter algumas reformas concedidas nas últimas duas décadas e encorajar a atuação da polícia da moralidade, visando, sobretudo, ao código do vestuário e às mulheres que se recusassem a usar o hijab.
A prisão de Amini, seguida da morte, deflagrou uma reação em cadeia de revolta e solidariedade, espalhando-se rapidamente por 80 cidades. De acordo com a ONG Iran Human Rights, há pelo menos 76 mortos e 1.200 presos.
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As imagens de agora são mais agressivas e provocadoras e revelam que os manifestantes não se identificam com os ditames que consolidaram a Revolução Islâmica. “Os jovens iranianos não querem mais esse sistema. Eles querem um novo governo”, assegurou a escritora e cineasta Marjane Satrapi, autora de “Persépolis”, à jornalista Christiane Amanpour.
Britânica de origem iraniana, a veterana âncora da CNN tinha entrevista marcada com o presidente Raisi durante a Assembleia Geral da ONU em Nova York, na semana passada. Como ela se recusou a usar o véu, por exigência dele, o evento foi cancelado.
Ondas anteriores de insatisfação deixaram lições aos manifestantes. Num movimento que ficou conhecido como Revolução Verde, em 2009 os iranianos foram às ruas para protestar contra a reeleição do presidente Mahmoud Ahmadinejad. As denúncias de fraudes prejudicaram o principal adversário, o reformista Mir Houssein Moussavi, que acabou preso.
A diferença é que as manifestações estavam concentradas nas grandes cidades e evitavam conclamar abertamente o fim do regime, como ocorre agora. Uma mulher tornou-se símbolo dos protestos e sua imagem viralizou pela então incipiente mídia social no país – a da manifestante Neda Agha Soltan, morta a tiros.
Dez anos depois, a frustração popular foi desencadeada pela revogação dos subsídios do gás, causando um súbito aumento de 50% no preço dos combustíveis. A Anistia Internacional contabilizou 321 mortos, mas admitiu que o número poderia ser cinco vezes maior.
Desta vez, os protestos abraçaram pequenas cidades e vilas, com outro poderoso aliado: o alcance das redes sociais. Pelo menos 48 milhões de iranianos já tinham smartphones.
O regime contra-atacou rapidamente com o apagão na internet, repetindo a tática a cada manifestação de revolta contra a teocracia. As imagens que agora saem do país mostram que o grau de raiva popular escalou, com as mulheres na vanguarda dos protestos, tornando ainda mais fantasioso a retórica proferida pelas autoridades: a de que o Ocidente é sempre o culpado.
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