Medida é protesto a denúncias de mortes, violação de direitos de trabalhadores migrantes e crimes ambientais durante as obras de adaptação para o campeonato, que acontece em novembro e dezembro no Catar. Trabalhadores em frente ao estádio de Lusail, no Qatar.
Hassan Ammar/ AP
A cidade de Paris decidiu não promover a Copa do Mundo de Futebol do Catar, que acontece entre 20 de novembro e 18 de dezembro, ao se recusar a instalar telas gigantes e fan zones em suas ruas. A decisão acompanha a de outras sete grandes cidades da França, que evocam razões humanitárias e ambientais.
“Para nós, é impossível instalar zonas de transmissão [dos jogos da Copa do Catar] por várias razões: a primeira são as condições da organização desta Copa do Mundo, tanto no que diz respeito aos aspectos ambientais como sociais, e a segunda é o cronograma, o fato de que ela estará ocorrendo em dezembro”, anunciou na segunda-feira (3) Pierre Rabadan, vice-prefeito responsável pela pasta dos esportes.
Para ele, “este modelo de grandes eventos vai contra o que [Paris] quer organizar [para os Jogos Olímpicos em 2024]”.
Vários prefeitos de grandes cidades francesas, de todas as tendências políticas, não ocultaram seu descontentamento em relação à Copa do Catar, desde o anúncio de boicote aos telões e fan zones feito no sábado pela prefeita socialista de Lille (norte da França), Martine Aubry. Ela descreveu o evento como “absurdo em relação aos direitos humanos, ao meio ambiente e ao esporte”.
Em Marselha (sul), o prefeito socialista Benoît Payan, que lidera uma ampla coalizão de esquerda e ecologista, disse que a competição havia “se transformado progressivamente em um desastre humano e ambiental, incompatível com os valores que queremos ver promovidos pelo esporte e especialmente o futebol”.
“Marselha, que está fortemente apegada aos valores da partilha e da solidariedade no esporte, está comprometida com a construção de uma cidade mais verde e não pode contribuir com a promoção da Copa do Mundo de futebol de 2022 no Qatar”, disse o governo municipal, em uma declaração oficial.
As razões do boicote incluem o tratamento dado aos migrantes que trabalham nas obras para a Copa e o número de mortes durante a construção dos oito estádios para o evento no país do Golfo.
Imagem de arquivo mostra telões instalados em frente à torre Eiffel, em Paris, durante final da Eurocopa de 2016.
Francois Mori/ AP
Embora o número oficial de mortos seja apenas três, a Organização Internacional do Trabalho (OIT) disse em um relatório que 50 trabalhadores morreram em acidentes de trabalho no Catar em 2020 e 500 ficaram gravemente feridos, um número que poderia ser maior devido a lacunas no sistema de registro de acidentes. O jornal britânico The Guadian reportou, após uma investigação, cerca de 6 mil mortes durante as obras no Catar.
‘Aberração energética’
O prefeito ambientalista da cidade de Bordeaux (sudeste), Pierre Hurmic, disse : “Eu realmente não gostaria que que Bordeaux sediasse estas fan zones. Eu seria um cúmplice” deste “evento esportivo que representa todas as aberrações humanitárias, ecológicas e esportivas”.
A cidade de Nancy (leste) também apontou a “discrepância” do “uso de estádios climatizados durante esta Copa do Mundo (…) com os desafios da transição ecológica” e pediu aos “organizadores (…) para “reverem seriamente as regras para a concessão de futuras Copas do Mundo”, a fim de “integrar esses desafios” de “sobriedade” e “respeito aos direitos humanos”.
Para o prefeito de Reims (norte), Arnaud Robinet, “num momento em que as autoridades públicas estão pedindo (…) para reduzir o consumo [de energia], tais instalações dariam origem a um legítimo mal-entendido (…) sobre um dos eventos mais controversos da história do esporte”. As cidades de Rodez (sul) e Estrasburgo (leste) também tomaram decisões semelhantes.
Além da questão dos direitos humanos, Pierre Hurmic se recusou a ser “inconsistente” com os esforços exigidos da população em termos de “sobriedade energética”. “Você não pode pedir à sua população que seja sóbrios [com o uso da energia] e que sejam cúmplices de aberrações energéticas desta natureza”, disse ele.
O prefeito ecologista, eleito em 2020, disse que sua decisão teria sido a mesma se a Copa do Mundo tivesse sido disputada no verão. “Nenhuma telão será colocado na cidade, nem se a França chegar à final”, enfatizou.
A um mês e meio do início da competição, Hurmic está confiante de que “outros prefeitos tomarão decisões idênticas nos próximos dias”. Ele também disse que não veria a competição.
Riviera Francesa resiste, mas pode se juntar ao boicote
As cidades de Nice e Cannes decidirão se vão mostrar os jogos da Copa do Mundo no Catar em telões “dependendo dos resultados” da equipe francesa, disseram nesta terça-feira (4) em declaração oficial, enquanto várias grandes cidades francesas se recusaram a promover a competição.
“O caminho é longo e cheio de armadilhas”, argumentou o prefeito de Nice, Christian Estrosi, em uma declaração enviada à agência AFP. “Sugiro que me perguntem novamente se a França estiver na final ou nas semifinais”, disse o político de direita, que hoje apoia Emmanuel Macron.
O prefeito de Cannes disse que tomaria uma decisão “dependendo dos resultados da equipe francesa”. O prefeito de Cannes, David Lisnard, presidente da Associação dos Prefeitos franceses, é filho de um ex-jogador profissional de futebol, Denis Lisnard.
Em 2018, por ocasião da Copa do Mundo na Rússia, a cidade de Nice, assim como a de Cannes, transmitiu em um telão a vitoriosa semifinal da equipe francesa (1-0 contra a Bélgica) e a final vencida contra a Croácia (4-2).
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