Argumentação contra a portaria alega que há usurpação de poder – ou seja, que seria prerrogativa do Legislativo, e não do Executivo, prever as medidas contra as plataformas digitais
A bancada do partido Novo na Câmara apresentou um projeto de decreto legislativo para derrubar os efeitos da portaria editada na quarta-feira (12) pelo Ministério de Justiça e Segurança Pública que busca responsabilizar as plataformas digitais por conteúdo que faça apologia à violência nas escolas.
O texto é assinado pelos três parlamentares da sigla — Adriana Ventura (SP), Gilson Marques (SC) e Marcel Van Hattem (RS) —, mas há integrantes da Frente Digital dispostos a apoiar a derrubada.
A medida foi anunciada no mesmo dia pelo titular da pasta, Flávio Dino, diante do que o ministro chamou de “situação emergencial que tem gerado uma epidemia de ataques, ameaças de ataques, bem como também de difusão de pânico no seio das famílias e das escolas.”
“Uma criança vale mais do que todos os termos de uso de todas as plataformas”, afirmou Dino.
Com base no Código de Defesa do Consumidor (CDC), a portaria prevê punições administrativas, como multas e até suspensão do serviço, caso não sejam tomadas ações pelas plataformas em suas redes sociais para coibir a disseminação de ameaças a unidades escolares, como remoção de conteúdo ou ajustes nos algoritmos que sugerem as publicações aos usuários.
O texto também determina o compartilhamento com autoridades de dados que possam identificar os autores de ameaças.
As medidas foram tomadas após dois casos — um em São Paulo, outro em Blumenau (SC) — em que morreram uma professora da rede pública paulista e quatro crianças que frequentavam uma creche particular catarinense.
Para fontes ligadas às plataformas responsáveis pelas redes sociais, mas também para especialistas em comunicação digital, haveria exageros na ação do governo e uma “generalização” de condutas entre as diferentes empresas.
Causou má impressão tanto entre integrantes do poder público quanto entre representantes das companhias a fala de uma profissional estrangeira do Twitter, em reunião na segunda-feira, na qual ela afirmou que um perfil com alusão ao autor de um ataque em escola não feria os termos de uso da plataforma — a empresa passa por um drástico enxugamento de pessoal desde que passou a ser controlada pelo bilionário Elon Musk.
Por outro lado, integrantes dos Três Poderes (governo, Congresso Nacional e Judiciário) cobram ações mais efetivas das plataformas no combate à disseminação de desinformação e de discurso de ódio e incitação à violência, principalmente após os atentados golpistas de 8 de Janeiro e os ataques às escolas nas últimas semanas.
A argumentação contra a portaria de Dino é de que há usurpação de poder – ou seja, que seria prerrogativa do Legislativo, e não do Executivo, prever as medidas contra as plataformas digitais incluídas no texto.
Outro ponto a ser questionado são as previsões legais usadas pelo Ministério da Justiça, como o Código de Defesa do Consumidor, para embasar as punições contra as empresas.
O compartilhamento de dados, que é submetido a outras legislações, como o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados, também é um ponto sensível da portaria da Justiça.
Temas como a atuação das plataformas na moderação de conteúdo e ajuste dos algoritmos responsáveis pela disseminação de postagens também é objeto de discussão do PL 2630, sob relatoria do deputado Orlando Silva (PC do B-SP).
Havia uma expectativa de que as medidas de enfrentamento à ameaça de violência nas escolas fosse incluído nesse texto, chamado de PL das Fake News, mas a portaria antecipa a adoção de parte das medidas — e da reação contrária das plataformas e de organizações da sociedade civil defensoras de um debate amplo sobre o ambiente digital.
Fonte: CNN