Depois de uma primeira semana positiva, os sinais da equipe de transição e discurso do presidente eleito derrubaram o Ibovespa em 4% na semana e causaram subida de 5% no dólar. O presidente eleito Lula, discursa em primeira visita ao Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) em Brasília (DF), nesta quinta-feira (10).
FáTIMA MEIRA/FUTURA PRESS/FUTURA PRESS/ESTADÃO CONTEÚDO
Há uma semana, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) comemorava o desempenho positivo da bolsa de valores e a queda do dólar na primeira semana após as eleições presidenciais. Em suas redes sociais, o petista compartilhou reportagem do g1 que mostrava a empolgação inicial do mercado financeiro com o novo governo.
Nesta segunda semana de transição, o sinal se inverteu. Apesar de boa recuperação nesta sexta-feira, o Ibovespa, principal índice da bolsa de valores de São Paulo, acumula queda de mais de 4% na semana. O dólar seguiu curso inverso e fechou em alta de mais de 5%.
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Assim como na semana passada, o g1 consultou os mesmos analistas para entender a reação contrária do mercado. Em suma, a avaliação é de que os agentes estão mais sensíveis — e punindo com mais intensidade — aos “fundamentos fiscais” em todo o mundo, não só no Brasil. Isto é: os investidores estão mais reativos a planos de aumento de gasto que não estejam bem delineados.
Um exemplo evidente é o caso Liz Truss. A ex-primeira ministra do Reino Unido foi obrigada a deixar o cargo depois de uma tentativa de estimular a economia britânica por meio de um plano que previa cortes severos de impostos e, em paralelo, aumentos de crédito e um empréstimo bilionário para tentar cobrir o rombo nas contas públicas.
Para o caso do Brasil, o receio é de que o Comitê de Política Monetária (Copom) reavalie o patamar da taxa básica de juros do país, a Selic, caso a inflação não caia como esperado. E a consequência de uma política de gastos expansionista, apontam os economistas, é quase sempre uma inflação mais alta no longo prazo.
O que está mexendo com os mercados?
O desânimo tomou conta dos analistas de mercado por conta dos sinais passados pela equipe de transição de que as políticas de auxílio à população serão ampliadas e colocadas permanentemente fora da âncora fiscal do país. Deixando de lado o “economês”: Lula mostrou que pretende gastar mais, porém não explicou como aumentará as receitas ou controlará os gastos do país.
Somou-se à questão os rumores de formação da equipe econômica. Nomes como o do ex-ministro Fernando Haddad (PT), cotado para o ministério da Fazenda, desagradaram aos agentes de mercado. A presença do ex-ministro Guido Mantega na equipe de transição para a área do Planejamento também trouxe incômodo.
São dois assuntos que o novo governo pretende endereçar em breve. Como mostra o blog da Andréia Sadi, aliados de Haddad defendem que ele ocupe uma das cadeiras da economia — Fazenda ou Planejamento —, mas em dobradinha com um nome fora dos quadros do PT. A torcida de ex-tucanos próximos do vice-presidente eleito Geraldo Alckmin é pelo economista Pérsio Arida.
Para o lado dos gastos, o mercado espera detalhamento de receitas e despesas na PEC da Transição, que está sendo elaborada para garantir o financiamento das propostas do governo em 2023.
O relator da proposta do Orçamento de 2023, senador Marcelo Castro (MDB-PI), afirmou na quinta-feira que a proposta deve colocar o Auxílio Brasil de R$ 600 em posição que seja imune ao teto de gastos de forma permanente — outro detalhe que causou mal-estar.
Mas o marco de virada foi o discurso de Lula em sua primeira visita ao Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), em Brasília, que abriga a equipe responsável pela transição de governo. O petista afirmou que, embora tenha como meta governar para todos, a prioridade serão “as pessoas mais necessitadas” e se emocionou ao falar da volta da fome no Brasil.
“Ora, por que as pessoas são levadas a sofrerem por conta de garantir a tal da estabilidade fiscal nesse país? Por que toda hora as pessoas falam que é preciso cortar gasto, que é preciso fazer superávit, que é preciso fazer teto de gasto? (…) Por que que a gente tem meta de inflação e não tem meta de crescimento?”, disse o presidente eleito.
Lula critica quem debate estabilidade fiscal sem tratar da questão social, e mercado reage mal
No dia do discurso, o Ibovespa teve um dos maiores recuos diários em quase um ano. Só na quinta-feira, o indicador caiu 3,35%, maior tombo desde 26 de novembro de 2021.
Já a moeda norte-americana encerrou o mesmo dia em alta de 4,10%, maior alta diária desde 16 de março de 2020, quando subiu 5,16%, durante o início da crise provocada pela Covid-19.
Além do discurso e das movimentações anunciadas pela equipe de transição, o pregão foi influenciado pelo resultado mais forte da inflação oficial do país, que teve avanço de 0,59%, após três meses consecutivos de deflação.
Mais tarde, Lula foi questionado sobre a reação e disse: “O mercado fica nervoso à toa. Eu nunca vi um mercado tão sensível como o nosso”.
Para Rafael Pacheco, economista da Guide Investimentos, a aposta dos agentes financeiros era de que o discurso “mais populista” de Lula seria inerente ao discurso eleitoral e, com sua vitória já garantida nas urnas, não haveria motivo para se manter em “modo de eleições”.
“É verdade que Lula já fez críticas ao teto durante sua campanha, mas sinalizações mais recentes, em especial a carta que ele lançou, fizeram o mercado acreditar que ele teria um governo mais próximo ao seu primeiro mandato, quando de fato ele teve uma maior preocupação com as contas públicas”, disse.
Já Dan Kawa, CIO da TAG Investimentos, diz que o Brasil perdeu a chance de aproveitar uma onda de melhora do cenário internacional, já que a semana teve duas notícias importantes para a economia global.
A primeira delas foi o número de inflação mais fraca nos Estados Unidos, o que ajuda o Federal Reserve a subir menos os juros americanos. O CPI de outubro subiu 0,4% no mês e acumulou 7,7% na janela de 12 meses, segundo o Departamento do Trabalho do país.
Uma inflação muito elevada na maior economia do mundo pesa contra a valorização dos ativos brasileiros. Com preços mais altos, o Fed é obrigado a subir juros dos títulos americanos, que são considerados os mais seguros do mundo. Se a rentabilidade deles sobe, há uma tendência global de migração dos investidores para esses investimentos, em detrimento dos ativos de risco.
A segunda notícia foi o anúncio de uma suavização das políticas de “Covid zero” na China. Com redução das barreiras, a tendência é de melhora no ambiente econômico do principal parceiro comercial do Brasil.
“No Brasil, infelizmente a pauta econômica entrou no radar dos investidores. Vários fundos locais e estrangeiros saíram do país e houve um fluxo saindo da bolsa. Esses movimentos acabaram sendo refletidos no câmbio”, afirma o especialista.
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