Gigante asiático é maior parceiro comercial do Brasil, mas não desfruta mais dos tempos áureos de crescimento na casa dos dois dígitos. Geopolítica também será questão relevante, e diplomacia brasileira precisará trabalhar para não ‘contaminar’ os objetivos comerciais. Lula em 28 de fevereiro durante cerimônia no Palácio do Planalto
REUTERS/Adriano Machado
O estreitamento das relações comerciais entre Brasil e China deve ser a principal tônica da viagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ao país asiático, que acontece neste final de semana.
Convidado pelo presidente chinês, Xi Jinping, Lula tem uma pauta econômica clara: defender as relações já construídas com o maior parceiro comercial do Brasil e, eventualmente, ampliar a gama de produtos brasileiros para venda no gigante asiático.
Do ponto de vista geopolítico, Lula se encontra com Xi em momento sensível, em que a China mostra alinhamento com a Rússia durante a guerra na Ucrânia. Lula precisará balancear o aceno a um dos mais importantes motores da nossa atividade econômica, sem que a política externa contamine o comércio com outros parceiros do Ocidente — como os Estados Unidos.
Com a viagem para a China, o presidente terá cumprido agenda oficial nos três maiores parceiros comerciais do país nos três primeiros meses de governo – Lula também visitou recentemente os EUA e a Argentina.
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De olho na balança comercial
Com uma comitiva que conta com parlamentares, ministros e mais de 200 empresários, a agenda de Lula na China será cheia. O principal destaque, segundo economistas, fica com a tentativa de ampliar a gama de produtos brasileiros oferecidos no mercado chinês.
O petista também tem o desafio de desatar nós na relação, herdados da gestão de Jair Bolsonaro. Em seus anos de mandato, o ex-presidente alinhou-se irrestritamente ao colega americano Donald Trump e fez reiteradas críticas ao regime chinês — até mesmo no comércio de vacinas contra a Covid-19.
Segundo o economista e sócio da Tendências Consultoria, Silvio Campos Neto, no entanto, apesar da pauta de reindustrialização do governo, pode ser difícil para o Brasil encontrar um “caminho adicional de exportações” para o país.
De acordo com Campos Neto, seis produtos correspondem a cerca de 85% do total de exportações que o Brasil faz para a China: minério de ferro, soja, petróleo, celulose, carnes e milho.
“É difícil que isso aconteça facilmente porque, no fundo, o que a China precisa são os itens que já vendemos em larga escala, como matérias-primas e commodities. A China já é um grande produtor de bens manufaturados e seus parceiros na Ásia também já suprem bem a demanda que falta nesse sentido”, explica o economista.
“Acho mais provável que a gente consiga ampliar as relações e os volumes do que a gente já fornece do que emplacar exportações de bens industrializados”, acrescenta.
Uma China diferente
Quando Lula deixou a Presidência após o segundo mandato, o Brasil surfava a onda das commodities. O país havia crescido 7,5% em 2010, na esteira de uma aceleração de 10,3% da China.
O cenário, agora, é outro. No começo deste ano, por exemplo, o Fundo Monetário Internacional (FMI) revisou as projeções para o crescimento da economia chinesa em 2023 de 4,4% para 5,2%, mas destacou que a expansão do país no ano que vem deve desacelerar para 4,5%, antes de se estabelecer abaixo de 4% a médio prazo.
A China ainda se recupera das paralisações econômicas severas, consequência da política de “Covid zero” presentes até o ano passado. Em 2023, o país asiático determinou uma meta de crescimento de 5% — que economistas questionam se será atingida.
Segundo Campos Neto, a retomada chinesa ainda é moderada e gradual. “Não é um crescimento tão explosivo e grande porque a própria China ainda se depara com questões internas”, diz.
“Temos um setor estatal com elevado nível de endividamento e segmentos da economia que também apresentam problemas, como é o caso do setor imobiliário. Agora, a tendência é que haja um ajuste desse cenário, o que também acaba sendo um limitante para o crescimento”, afirma o economista.
Ele explica, no entanto, que mesmo que a China apresente um crescimento menor, a atividade do país ainda estará em um nível “importante e satisfatório” e deve continuar tendo um peso importante para as exportações brasileiras.
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Para Livio Ribeiro, especialista em China e pesquisador sênior do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV), os 5% não deixam de ser um número ainda relevante, e que devem dar bastante suporte às exportações brasileiras.
“Prefiro uma China crescendo a 5% sem cometer excessos do que uma China que mantenha esse ritmo com políticas imprudentes”, afirma.
O pesquisador diz que a tentativa de expandir a pauta comercial é válida, principalmente do ponto de vista de reduzir a volatilidade dos preços de produtos primários que o Brasil costuma exportar. Os solavancos no preço da soja, por exemplo, podem aumentar ou reduzir demais a arrecadação brasileira, ele explica.
Ainda assim, ele não vê problema na especialização produtiva. “O país só fica mais blindado de choques, mas o central é saber o que fazer com o dinheiro das vendas e, não, de onde ele vem.”
Como outro ponto de reflexão, Ribeiro lembra que Lula encontra um país que mudou sua estrutura política e ainda enfrenta uma saída de pandemia desafiadora. O caminho, portanto, pode ser diferente do que o comércio exterior, puro e simples.
“É um jogo diferente. É uma economia que ficou voltada para o exterior por muito tempo e, agora, está focada no mercado interno, que tem uma carência de bens e serviços, e que procura oportunidades de investimento”, diz.
“Podemos ter novos acordos comerciais, de investimento, e reverter fluxos de capital. Mas a questão principal é voltar para jogo, porque a gestão anterior se voltou contra seu principal parceiro comercial”, prossegue.
Relações Internacionais
Além de reforçar os laços comerciais com Pequim, Lula também deve tratar sobre temas que envolvem o desenvolvimento do país, tecnologia, mudança do clima, transição energética e o combate à fome.
“É um momento em que o Brasil e a China também falam para o mundo, isso também estará nos objetivos”, afirmou o embaixador Eduardo Saboia, secretário de Ásia e Pacífico do Itamaraty na semana passada.
Parte desse movimento, segundo os especialistas, também pode envolver uma reaproximação política do Brasil com Xi Jinping — principalmente após as tensões políticas entre os dois países vista nos últimos anos, em meio a críticas do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seus aliados contra o gigante asiático.
O ponto de atenção são os eventuais debates sobre tensões geopolíticas, como a guerra na Ucrânia. “Acho que é um tema um pouco mais difícil de tocar, uma vez que a China está indiretamente envolvida e o Brasil tem dificuldade de entrar no tema por conta de alguns interesses cruzados. O presidente precisará adotar uma postura mais pragmática e diplomática”, afirma Campos Neto, da Tendências.
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Livio Ribeiro, do Ibre/FGV, lembra que os países ocidentais caminharam na direção de um crescimento de “sentimento sinofóbico” (de aversão à China) nos últimos anos, e a diplomacia brasileira precisará trabalhar para não contaminar os ânimos da viagem.
“Começa com Trump e continua de forma menos histriônica [exagerada] com Biden. Quando a Rússia foi ‘ejetada’ do Ocidente, ela se volta para o Oriente. Tem uma bipolaridade que pode ser misturada na questão comercial, de ser ‘contra os EUA’ e se aliar ao bloco que começa a emergir do outro lado”, afirma o pesquisador.
“Encarar a viagem assim não faz sentido. A diplomacia brasileira tem histórico de conversar com todos.”
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