Israel se tornou um expoente na produção de segurança cibernética. Mas como explicar que este país de apenas 9 milhões de habitantes tenha se tornado esta potência no setor em poucas décadas? Como Israel se transformou em uma potência de ciberespionagem
Ronen Zvulun/Arquivo/Reuters
Entre 2011 e 2021, o número de empresas de segurança cibernética ativas em Israel aumentou de 162 para 459. As exportações israelenses neste setor atingiram US$ 11 bilhões em 2021, segundo a Direção Nacional Cibernética de Israel.
Estes números indicam a vitalidade de um setor em expansão. Em poucos anos, Israel se estabeleceu como uma verdadeira “nação cibernética” no cenário internacional.
Empresas como Check Point, Argus, Verint e NSO, para citar apenas algumas, promovem tecnologias israelenses de ponta, enquanto muitas startups despontam como “unicórnios cibernéticos”, jovens empresas que valem mais de um bilhão de dólares.
O crescimento impressionante pode ser explicado em parte pelo desenvolvimento precoce da indústria de alta tecnologia no país. Já nos anos 1960, a Silicon Wadi, o vale do Silício israelense, começou a hospedar empresas de TI. Isso instalou um ecossistema que cresceu gradualmente ao longo de novas ondas de inovação e sucesso econômico nas décadas de 1980, 1990, 2000 e 2010.
A indústria da segurança cibernética é hoje herdeira direta deste histórico. No entanto, especialistas garantem que a evolução meteórica do setor de alta tecnologia está intimamente relacionada à situação geopolítica do país.
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Pensamento estratégico
Fundado em um ambiente instável e vivendo uma relação de tensão com os estados vizinhos, Israel se adaptou a um estado de guerra quase permanente. Os sucessivos governos administraram seus projetos para o país “em uma lógica de ameaça existencial real”, explica Ilan Scialom, pesquisador em geopolítica no laboratório Géode, da Universidade Paris VIII.
Para garantir a sobrevivência do Estado hebraico, os “pais fundadores” desenvolveram um conceito de segurança nacional em torno de vários eixos. O objetivo era apostar na “superioridade qualitativa” da segurança do país para contrabalancear a inferioridade numérica da população do novo país em relação aos estados da região. Garantindo dessa maneira que o exército israelense “nunca fosse superado por ser menor em termos quantitativos”, explica o geopolitólogo.
Assim, era fundamental desenvolver inteligência “para antecipar e prevenir qualquer surpresa” e capacidade de dissuasão “para evitar qualquer conflito que ameace a existência de Israel”, continua Ilan Scialom. Neste contexto, “a questão da pesquisa e desenvolvimento, da inovação, é central no pensamento estratégico israelense”, resume o pesquisador.
As universidades têm um lugar especial nesta estratégia. Israel se beneficia de uma malha dinâmica de universidades, que antecede até mesmo a criação do Estado. A Technion in Haifa, especializada em ciência e tecnologia, foi fundada em 1912, a Universidade Hebraica de Jerusalém foi inaugurada em 1925 e o Instituto Weizmann de Ciências em 1934.
Neste ambiente, a ciência da computação encontrou seu lugar muito cedo no seio desta comunidade acadêmica, e o primeiro computador israelense, o Weizac, foi criado nos anos 1950.
Desde então, os institutos de pesquisas israelense continuaram a acompanhar o progresso tecnológico e rapidamente perceberam a importância da segurança cibernética.
Israel foi um dos primeiros países a oferecer cursos de pós-graduação em segurança cibernética e a criar um doutorado na área. A conscientização da segurança cibernética começa mesmo antes disso, com opções de especialização no ensino médio.
Exército como incubadora
O ator mais importante neste campo, no entanto, continua sendo o Exército israelense. “Israel compreendeu muito cedo o aumento do poder do cibernético e suas ameaças”, enfatiza Nicolas Ténèze, doutor em ciência política e professor da Universidade de Toulouse.
Um corpo de elite dedicado à inteligência cibernética, a famosa unidade 8200, é considerado um dos melhores serviços de inteligência do mundo, às vezes comparado com a agência americana NSA. Ela identifica jovens talentos assim que terminam o ensino médio e lhes oferece a oportunidade de prolongar o serviço militar por alguns anos em suas fileiras.
A Unidade 8200 é “o centro da ciberdefesa israelense”, aponta Nicolas Ténèze, autor de Israel e sua dissuasão: A História Política de um Paradoxo (Harmattan, 2015), e é ainda um “verdadeiro berçário” para novos talentos. Ao final de seus serviços, alguns ex-candidatos seguem um curso universitário financiado pela Exército e outros “são recrutados para empresas privadas ou lançam suas próprias empresas”, diz o professor.
É o caso, por exemplo, de Gil Shewd, fundador de Check Point, um peso pesado no setor, pioneiro do firewall de computadores no início dos anos 1990. De acordo com um estudo de 2018 citado pela Haaretz, 80% dos fundadores de empresas de cibersegurança passaram pelos serviços de inteligência do Tsahal, o exército israelense.
“Em Israel, não há uma fronteira entre militares e civis, os dois são permeáveis e se desenvolvem juntos, reunindo suas habilidades”, analisa Nicolas Ténèze. O exército tornou-se assim um pipeline que direciona os jovens para a indústria cibernética, onde eles podem usar suas habilidades adquiridas durante o serviço (gerenciamento de crises, trabalho em equipe, casos práticos…) e sua rede de antigos colegas.
Uma ferramenta de influência
O Estado percebeu o potencial deste ecossistema e investiu pesado no setor para torná-lo uma força motriz de sua economia. Subsídios públicos, criação de incubadoras e projetos ambiciosos, participação no capital de start-ups, criação de órgãos oficiais de apoio e assessoria. O envolvimento do governo no setor cibernético assume muitas formas, bem ciente de que é um campo promissor para o emprego, mas que também é uma formidável ferramenta de influência.
De fato, a ‘expertise’ israelense é procurada por muitos estados, incluindo certas monarquias do Golfo que procuram diversificar sua economia e investir em altas tecnologias.
É o caso, por exemplo, dos Emirados Árabes Unidos ou do Bahrein, com os quais Israel assinou os acordos de Abraão em 2020, incluindo a colaboração em segurança cibernética.
“Antes, era complicado aparecer como empresas hebraicas em certos países [árabes]. Mas desde os acordos, há uma dinâmica que se abriu e permite que os israelenses apareçam com seus rostos descobertos”, explica Ilan Scialom, pesquisador em geopolítica no laboratório Geode.
“O setor ciber está de certa forma ajudando a legitimar o Estado de Israel com países onde, até agora, não havia uma relação ‘oficial’.
Contudo, a maneira como a tecnologia israelense é às vezes utilizada pelos clientes que a adquirem – certos países em particular – é controversa. O software espião Pegasus, desenvolvido pela NSO, permitiu que alguns estados monitorassem opositores, ativistas e jornalistas.
A Cellebrite, uma empresa especializada na exploração de dados telefônicos, é acusada de ter vendido tecnologia utilizada por regimes autoritários para fins de repressão. E o “Team Jorge”, revelado na investigação dos Storykillers, gaba-se de influenciado em cerca de 30 eleições em todo o mundo graças a seu know-how e ferramentas de alto desempenho.
Estes casos também revelam as consequências perturbadoras que esta proximidade estreita entre o setor militar e o setor privado pode ter. “Parece complicado que em questões de segurança nacional que envolvem outros países, não havia conhecimento [por parte dos serviços de inteligência de Israel] deste tipo de operação ou de negócio”, analisa o pesquisador Ilan Scialom.
Em uma investigação da organização jornalística Rest of the World publicada em 2021, o advogado de direitos humanos Eitay Mack mostra preocupação: “com a tecnologia israelense, os regimes autoritários não precisam mais atirar nos manifestantes, eles impedem as mobilizações antes que elas aconteçam”.
O ativista está documentando a venda de armas e ferramentas de vigilância cibernética e tem feito campanha para a lei israelense regular estritamente este mercado. Uma luta que ainda é marginal no país, já que a segurança e a cibersegurança continuam sendo prioridade absoluta.
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