Tsai Ing-Wen é vista pela China como traidora da pátria que estaria contribuindo para o avanço de ‘forças estrangeiras’ em cerco contra o país. Emissora estatal chinesa tenta desmoralizar a presidente de Taiwan Tsai Ing-Wen
Reprodução/CGTN
“O que está por trás da democracia de fachada de Tsai em Taiwan?” Esse é o título de uma reportagem especial da emissora estatal chinesa, CGTN, sobre a visita a Taiwan de Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos. O governo da China promove uma campanha de desmoralização da presidente taiwanesa Tsai Ing-Wen, avaliam especialistas ouvidos pelo g1.
“Personalidades do alto escalão do Partido Comunista da China passaram a se referir à chefe de governo de Taiwan como ‘traidora da pátria e da civilização chinesa’, situando-a em clara oposição a uma das caraterísticas mais bem vistas para um membro dirigente chinês sob o ponto de vista do politburo do Partido: ser patriota”, diz Aline Tedeschi, analista internacional e coordenadora do grupo Observa China.
A presidente taiwanesa é vista pelo alto escalão chinês, segundo Tedeschi, como uma traidora que estaria contribuindo para o avanço de “forças estrangeiras” em cerco contra a China, deixando o país exposto.
“É possível que essa estratégia siga até janeiro de 2024, quando Taiwan terá novas eleições para chefe de governo”, avalia Tedeschi. Então, Pequim poderá contar com um candidato ou candidata do Partido Guomindang, mais amigável às diretrizes do governo continental.
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A emissora estatal chinesa busca associar Ing-Wen aos EUA, classificando-a como “aduladora da América” que lidera uma “Taiwan dividida” e “elogiada pelos EUA, polêmica em Taiwan”.
As acusações acompanham as alegações chinesas sobre interferência dos EUA em assuntos internos chineses. No dia 10 de agosto, em resposta à visita de Pelosi, o Conselho de Estado da China divulgou um documento intitulado “A questão de Taiwan e a reunificação da China na Nova Era”.
O documento diz que o governo chinês “reitera o fato de que Taiwan faz parte da China” e cita a resolução 2.758 da Assembleia Geral da ONU, que resguarda o princípio de uma só China. “A China não tem obrigação de se comprometer a descartar o uso da força. Isso não é de forma alguma dirigido contra os compatriotas de Taiwan, mas contra o esquema para criar uma ‘Taiwan independente’ e contra as forças estrangeiras que interferem na reunificação”, diz o texto.
As especulações do governo chinês contra a presidente de Taiwan não devem ser facilmente aceitas pela população da ilha, avalia Alexandre Coelho, coordenador de pesquisa da Observa China e secretário do Comitê de Pesquisas em Ásia e Pacífico da International Political Science Association.
“De acordo com uma pesquisa realizada por uma universidade taiwanesa, em janeiro de 2022, mais de 62% dos residentes da ilha se consideram cidadãos taiwaneses, mais do que se consideram chineses. Isso mostra que há uma maioria pró-independência em Taiwan. Dessa forma, as tentativas de desmoralização da líder taiwanesa podem não produzir tão facilmente os objetivos de Pequim”, diz.
Xi Jinping deve garantir um terceiro mandato sem precedentes no Congresso do Partido Comunista
GETTY IMAGES/BBC
A pesquisa à qual Coelho se refere foi feita pela Universidade Nacional de Chengchi e analisa a mudança na autodeclaração na identidade da população de Taiwan entre 1992 e junho de 2022.
Para Tedeschi, a China deve buscar diálogo com o Guomindang, partido nacionalista chinês de Taiwan que faz oposição ao Partido Democrático Progressista, da presidente Tsai Ing-wen.
“A troca de chefe de governo em Hong Kong seguiu linhas similares, à excepcionalidade de que na região autônoma houve protestos em massa contra a lei de extradição antes da troca. O que acabou por legitimar as características patrióticas do novo mandatário de Hong Kong”, observa.
A invasão do Conselho Legislativo do território autônomo por manifestantes em 2019 levou à ascensão do então chefe de polícia John Lee Ka-chiu, que, apoiado pelo Partido Comunista Chinês foi nomeado para o governo de Hong Kong em uma eleição na qual foi candidato único.
John Lee
REUTERS/Tyrone Siu
Durante a abertura do 20º Congresso do Partido Comunista, no domingo (16), Xi Jinping afirmou que a China alcançou controle total sobre Hong Kong, o que, para ele, mudou a situação no território “do caos para a governança”.
Sobre Taiwan, Xi subiu o tom e disse que não renunciará ao direito de usar a força na ilha autogovernada. O presidente chinês prometeu, ainda, que a reunificação deve ser a prioridade de seu eventual terceiro mandato.
No fim do congresso, no próximo sábado (22), um terceiro mandato de Xi à frente do país deve ser confirmado, o que o tornará o líder mais longevo e poderoso da China desde Mao Tsé-Tung.
A reunificação com Taiwan é uma das pautas que acompanha Xi desde o seu primeiro mandato. E a importância do assunto para o presidente chinês é reiterada com frequência, em especial após a escalada da tensão no Estreito de Taiwan causada pela visita de Nancy Pelosi à ilha.
Coelho avalia que a tensão deve levar Xi a acelerar seus planos de reunificação da ilha à China Continental.
A ilha de Taiwan pertence, legalmente, à China. Os próprios EUA reconhecem a soberania chinesa sobre a ilha desde a década de 1970, quando o gigante asiático passou a fazer parte da ONU sob a política de “um país, dois sistemas”, fórmula que permite ao governo taiwanês ter eleições próprias e autonomia em relação ao Partido Comunista Chinês, mas que não faz da ilha um país soberano.
A ONU, inclusive, não reconhece Taiwan como uma nação soberana e, portanto, os interesses da ilha são representados pela China.
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