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Silêncio na Carceragem

Silêncio na Carceragem

A carceragem era úmida, suja, escura, pegajosa. Exalava o cheiro horroroso de gente confinada. E ali era apenas a antessala, as celas ficavam lá para dentro. Até lembrava o ambiente de uma repartição pública: a escrivaninha do carcereiro, antigos fichários que acumulavam papel inútil, armários inteiriços que abrigavam uma infinidade de produtos de furto. Os pertences dos desgraçados capturados pelas polícias também eram jogados ali.

As celas, imundas, ficavam ao fundo. O acesso era por uma porta estreita, reforçada com grade de ferro. De lá vinham vozes, imprecações, uma ou outra frase indecifrável. Às vezes, uma presa cantava, feliz, para estupefação daqueles que entravam ali. Acostumados, os policiais riam e explicavam:

– É doida.

Repórteres transitavam naquele ambiente. Apuravam as ocorrências mais recentes e garimpavam, ansiosos, entrevistas para programas de rádio, sites noticiosos ou páginas dos jornais. Às vezes, surgiam casos pitorescos. Noutras, as declarações iam preencher espaço, entreter leitores ávidos pelos detalhes de qualquer miséria.

“Bitinha” era conteúdo para rodapé: crime contra o patrimônio, conforme o jargão policial. Havia pouco apelo: a foto, com a camiseta do sistema penal, como era praxe e, talvez, o produto do roubo, que justificava o flagrante.

Duas fotos, mais o texto da ocorrência, espichado com qualquer declaração: umas trinta linhas após a editoração. Aquilo ajudava, ocupava parte da página e tinham que fazer uma página de jornal todo dia. Aguardavam, comentando o noticiário, ouvindo as piadas grosseiras dos ‘meganhas’.

– É esse aí. Encosta lá – ordenou o carcereiro.

“Bitinha” chegou, algemado. Depois o agente se afastou, ficou lá perto da escrivaninha, onde um dos carcereiros surrava uma velha máquina datilográfica: os computadores ainda não haviam chegado àquela saleta lúgubre.

“Bitinha” não falou.

Pediram que gravasse para a rádio, mas ele se recusou. Indagaram seu nome, ele recomendou que consultassem a ocorrência. Solicitaram detalhes do crime, mas ele negou o crime. Indagaram o porquê da prisão e ele sugeriu, mais uma vez, que conversassem com a polícia.

Permaneceu inflexível: músculos rígidos, traço duro no lábio, olho fixo nos repórteres. Nova investida, mas sem nenhum efeito: não falava. Pisava firme, impaciente com aquele interrogatório inútil. Já a dois passos dali, também impaciente, o policial encerrou a encenação.

– E aí, “Bitinha”? Vamos conversar…?

“Bitinha” aquiesceu, solícito. Aquilo despertou muda indignação nos repórteres: atarefados, penavam para arrancar míseras frases que ilustrassem uma reportagem, que rendessem uma matéria redonda para o leitor anônimo. Com um simples aceno, o policial arrancava uma concordância imediata, submissa, cordata.

Empunhavam canetas, celulares, rascunhos, gravadores. O policial ostentava uma pistola na cintura, encoberta pela camisa. E bem ali ao lado, numa minúscula sala lateral, ficava o pau-de-arara que ajudava a convencer os recalcitrantes.

Por um momento – um breve momento – o repórter de bloco na mão desejou aquele poder de convencimento. Pelo menos encheria a desgraçada página policial daquele pasquim de fundo de província.

Mas saiu, já pensando nas redundâncias que iam ajudar a espichar a ocorrência.

*Este texto é obra de ficção.

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