Em entrevista à BBC News Brasil, ideólogo da direita radical diz que Bolsonaro não tem o apoio esperado dos militares e que não acredita que Brasil terá episódio parecido com a invasão do Congresso dos EUA. Steve Bannon, ex-assessor de Donald Trump, se entrega às autoridades em Nova York.
Reuters
“Um enfrentamento, cabeça a cabeça, entre dois políticos carismáticos de estatura global.”
Steve Bannon, o ideólogo da nova direita radical populista e estrategista principal do ex-presidente americano Donald Trump, define assim a eleição presidencial brasileira, que tem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à frente das sondagens de intenções de voto, seguido por Jair Bolsonaro (PL), que tenta a reeleição.
O ex-presidente Lula durante ato de campanha em Curitiba
Rodolfo Buhrer/Reuters
A eleição, que Bannon afirma ser a segundo mais importante do ano para o seu movimento de direita, também será, nas palavras dele, “uma das mais intensas e dramáticas eleições do século 21”.
Aliado de Bolsonaro, a quem chama de “herói”, Bannon não esconde o fascínio que tem por Lula. “Eu sou fascinado por Lula”, diz, afirmando que estudou o petista por “muitos e muitos anos”.
“Eu acredito muito nos trabalhadores. E parte do nosso trabalho tem sido atrair democratas e sindicalistas para a nossa causa. Então, tem coisas que Lula defende em que nós acreditamos”, diz Bannon, que reconhece “o tremendo sucesso financeiro” da gestão do petista no Brasil no começo dos anos 2000.
Ele, no entanto, atribui a Lula proximidade que o próprio petista jamais ostentou com o Partido Comunista Chinês e sugere que, no poder, o ex-presidente faria do Brasil uma base para a China nas Américas, o que seria “uma questão para a segurança nacional dos EUA”.
Considerado um mentor pela família Bolsonaro, Bannon afirma ser uma espécie de “posto de intercâmbio”, promovendo a conexão direta entre os políticos brasileiros e expoentes da direita radical global como o húngaro Viktor Orbán, o italiano Matteo Salvini ou o próprio Trump.
De acordo com Bannon, essas conversas e conexões são centrais não apenas por questões ideológicas, mas para que cada grupo compartilhe com os demais experiências de campanha que possam potencializar suas chances de vitória em cada país.
Ele sugere, por exemplo, que Trump poderia ter economizado muito dinheiro na corrida presidencial de 2016 se tivesse aprendido como usar o Facebook como Bolsonaro usou na campanha em 2018.
Sobre a campanha atual, Bannon aposta que a figura da primeira-dama, Michelle Bolsonaro, será capaz de unir o apoio dos evangélicos cristãos e impulsionar uma onda que empurre Bolsonaro com Lula para o segundo turno no próximo dia 2 de outubro.
Já em relação às Forças Armadas, ele diz ver menos apoio a Bolsonaro do que o próprio Trump teve no setor militar. Vale lembrar que o então presidente americano se viu barrado em diversos momentos de usar as Forças Armadas em seu projeto político.
Bannon defende que os militares brasileiros são “ator-chave” em um momento em que o presidente brasileiro faz alegações de fraude nas eleições brasileiras, sem provas. Mas descarta em território brasileiro algum cenário do tipo como a invasão do Capitólio 6 de janeiro deste ano, como até mesmo integrantes do governo americano têm alertado ser possível.
“O mundo exterior não deveria estar metendo o nariz nisso, seja o governo dos Estados Unidos, o pessoal de (fórum econômico de) Davos ou outros globalistas”, afirma.
Bannon, porém, admite que o 6 de janeiro foi um erro para seu grupo político — porque os impediu de lançar mão de manobras legislativas que pudessem, de acordo com sua perspectiva, contestar o pleito que elegeu Joe Biden a ponto de forçar nova votação.
Assim como três quartos dos republicanos, ele segue repetindo que Biden não é um presidente legítimo. Ele é investigado por seu papel na invasão — que ele diz ter sido nenhum — e também enfrenta um processo por ter se recusado a depor diante do Congresso sobre o assunto.
A despeito disso, diz que tanto o trumpismo quanto o bolsonarismo são movimentos democráticos. E reconhece que podem não triunfar nas urnas sempre.
“Você não vai ganhar todas as eleições. E quando você ganha, pode não estar no poder para sempre, mas faz parte de um processo. Se você olhar para o fluxo desde a crise financeira de 2008, não há absolutamente nenhuma dúvida de que a direita nacionalista populista não é apenas ascendente, que nós ganhamos muito mais do que perdemos, e fizemos algumas mudanças bastante significativas, seja (com) Trump nos Estados Unidos, (com) Brexit (no Reino Unido) e Bolsonaro no Brasil”, afirma Bannon.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista — editada por concisão e clareza — que Bannon concedeu à BBC News Brasil via zoom, diretamente do estúdio onde grava seu programa político, o War Room.
BBC News Brasil – No ano passado, o senhor disse que a eleição brasileira é a segunda mais importante de 2022, atrás apenas das eleições legislativas de meio de mandato nos Estados Unidos, em novembro. Por quê?
Steve Bannon – Vamos voltar a 2016. O Brexit, que aconteceu em junho, e a vitória de Trump (na eleição presidencial americana em novembro daquele ano) estavam intrinsecamente ligados. Essas coisas tendem a se mover em ciclos, e a inspiração e as questões que surgiram no Reino Unido com o (partido de direita radical britânico) Ukip e o Brexit foram algumas das coisas sobre as quais estávamos discutindo nos Estados Unidos, basicamente soberania, fronteiras, imigração.
A mesma coisa se repete agora. Nós tivemos a vitória dos Democratas Suecos (partido de direita radical que saiu vencedor nas últimas eleições e comporá pela primeira vez o governo do país). Você tem Giorgia Meloni (de um partido pós-fascista e favorita a ser a primeira ministra da Itália), a quem conhecemos e com quem trabalhamos há anos, e com ela está surgindo na Itália e no sul da Europa uma coalizão de direita.
Mas o mais importante sempre foi o Brasil. E digo isso porque o pleito brasileiro é muito próximo da eleição americana de meio de mandato (em novembro), e as questões (discutidas nos dois processos) são mais ou menos as mesmas.
Bolsonaro é um grande herói para todos nós. Ele está no nível de Viktor Orbán (na Hungria) como alguém que defendeu a soberania nacional e realmente construiu uma base. Ele tem evangélicos, ele tem pessoas da classe trabalhadora. Se você olhar para o Brasil, (o bolsonarismo) é muito parecido com o movimento Maga (Make America Great Again, de republicanos ligados ao Trump), os bolsonaristas são muito parecidos com os desvalidos do America First, o que chamamos de hobbits do condado (metáfora de Bannon para aludir à vida de anseios simples dos trumpistas).
Isso é o que você vê em Bolsonaro. E as pessoas alinhadas contra ele, particularmente os globalistas, são as mesmas (que estão contra Trump). E mais especificamente por causa dessa corrida eleitoral, a associação de Lula com o Partido Comunista Chinês, principalmente no que se refere a commodities e recursos naturais, fazem desta, eu acho, uma das eleições mais importantes, não apenas deste ciclo (eleitoral), mas nos últimos tempos.
BBC News Brasil – O senhor está dizendo que o Lula tem uma relação especial com a China, mas no ano passado, sob Bolsonaro, o Brasil foi o país no qual a China mais investiu no mundo. Como isso cabe no seu argumento?
Bannon – Obviamente, o Brasil é um país de recursos naturais com um grande negócio de exportação. O Partido Comunista Chinês precisa desses recursos. Mas eles foram comprados no mercado livre. Isso é bem diferente da relação de Lula com a China.
Lula foi várias vezes a Pequim. Lula tem uma visão de mundo comum à do Partido Comunista Chinês. E o sucesso econômico (do governo Lula) está diretamente ligado aos negócios de exportação e commodities do Partido Comunista Chinês, que essencialmente olha para o Brasil como quase uma espécie de colônia para eles, principalmente em recursos naturais.
Lula vai trazer tudo isso de volta. E os chineses veem o Brasil mais do que nunca como um necessário parceiro de commodities. Então, a relação entre Bolsonaro e o Partido Comunista Chinês é mais comercial. Com Lula é muito diferente. Ele dará uma grande base para o Partido Comunista Chinês na América Latina e isso se tornará uma importante questão de segurança nacional para os Estados Unidos.
BBC News Brasil – O senhor começou essa conversa fazendo claras conexões entre o Brexit e a eleição de Trump. Existe uma conexão clara tanto de projeto como de ideologia e de ações, entre as direitas radicais no Brasil, nos Estados Unidos com Trump, na Hungria de Orbán, na Alemanha com a AfD?
Bannon – Não há dúvida. Eu trabalho nesse projeto há vários anos. Lembre-se que logo após (vencer) a Casa Branca, acho que eu fui a primeira pessoa a recomendar que o Movimento Cinco Estrelas (partido italiano antissistema) e a Liga do Norte (partido italiano de direita radical) se unissem. Eu disse a eles: “Ei, vocês dois são partidos populistas, tentem colocar suas diferenças de lado”. E eles fizeram isso e apoiaram Matteo Salvini.
Então, sim, há absolutamente conexões e não apenas na ideologia. São todos nacionalistas, são partidos da classe trabalhadora e populistas. Eles são antielite, são particularmente antielite financeira, antibanco central, anti-Wall Street, anticorporações globais. E há contra todos eles o mesmo tipo de resistência.
No Brasil, é um pouco diferente. Você tem os militares que, na minha visão, foram bastante comprometidos pelo Partido Comunista Chinês e acho que estão ainda menos alinhados com Bolsonaro do que pensamos que a maioria dos militares – não necessariamente as lideranças – está com o nosso movimento aqui nos Estados Unidos.
Então, há correlações diretas, eu acho, com Salvini e Giorgia Meloni na Itália, com Orbán, com quem acabei de encontrar no CPAC (conferência conservadora), em Dallas (Texas). São todos movimentos de direita que falam sobre as mesmas questões, com o apoio da polícia, da classe trabalhadora, e lidando com questões globais, enquanto em cada nação constroem suas próprias bases, um movimento nacionalista populista de, francamente, muita força e muito poder.
BBC News Brasil – Por que o senhor diz que Bolsonaro não tem apoio dos militares? Como viu o 7 de setembro, dos 200 anos de independência?
Bannon – Bolsonaro concorreu em 2018 tendo como seu vice-presidente um general (da reserva, Hamilton Mourão). E, no início, foi tão difícil para Bolsonaro quanto foi o primeiro ano do presidente Trump, para que ele conseguisse ganhar força e assumir o Estado administrativo em Washington.
Vimos Bolsonaro governando aos trancos e barrancos também no primeiro ano, e isso era impulsionado principalmente por seu vice-presidente, que fez parte das Forças Armadas. E você viu que os militares tinham seu próprio ponto de vista de como as coisas deveriam ser feitas.
Eu acho que hoje, com toda a questão da integridade eleitoral nos tribunais, os militares são obviamente um ator-chave. E eu sei que há muitas, muitas pessoas nas Forças Armadas que apoiam o presidente Bolsonaro, ele é um paraquedista egresso das Forças Armadas. Mas os militares, particularmente os membros seniores do quadro militar, inclusive o vice-presidente, fizeram mais do que qualquer um para realmente contrariar muito do que Bolsonaro queria levar adiante.
BBC News Brasil – Bolsonaro mobilizou o 7 de setembro para mostrar poder e conexão com os militares. Ainda assim, não te parece que ele tenha o apoio amplo desejado nas Forças?
Bannon – O 200º aniversário (da independência) foi muito impressionante. Parte disso era, obviamente, o patriotismo dos militares em geral. Mas as imagens que chegaram aqui aos Estados Unidos foram, francamente, de tirar o fôlego. O tamanho, a escala (do ato).
A grande mídia tem minimizado Bolsonaro, sugerindo que ele tem dificuldade em ganhar força nas pesquisas, que a campanha não está indo bem. É por isso que foi muito de tirar o fôlego, a escala das multidões e da celebração e, obviamente, os militares estarem lá. E principalmente porque o Lula, que eu acho que estava tendo um dia de Joe Biden, decidiu fazer campanha no conforto de sua casa.
Então, não me entenda mal, mas seria de esperar que os militares seriam ainda mais favoráveis a Bolsonaro, dado o que ele representa. Ele quer tornar o Brasil grande novamente, quer que o Brasil tenha soberania, quer deixar claro que o Brasil é um bom administrador da Amazônia, mas que, no limite, são do Brasil as decisões (sobre a floresta) e não de algum tipo de comunidade mundial.
Então, tenho percebido há tempos que há certos elementos das Forças Armadas que claramente não o apoiam. E eu acho que muito disso vai ficar claro nesta eleição, e particularmente nos tribunais, com os juízes que definem como as eleições são conduzidas.
Tivemos Eduardo (Bolsonaro) vindo ao simpósio cibernético em Dakota do Sul, em agosto do ano passado, promovido por Mike Lindell (empresário americano trumpista acusado de promover os atos de 6 de janeiro). Eduardo deu uma das melhores apresentações do Simpósio, lá ele listou os problemas que eles têm e as preocupações que eles têm sobre as urnas eletrônicas.
Então, eu espero que isso seja totalmente monitorado e fiscalizado pelas autoridades, pelos tribunais, pelos militares, por todos, para que haja uma eleição limpa e justa.
Tenho usado muito do meu tempo conversando com as pessoas nos bastidores (da disputa brasileira), e sinto que há uma grande onda pró-Bolsonaro agora. Um elemento que não estava na campanha de 2018 é a primeira-dama (Michele Bolsonaro). Ela assumiu agora um papel muito público e acho que ela pode ser uma força muito grande para essa onda, à medida em que vamos vendo os evangélicos se unirem.
Eu sempre digo que é muito difícil fazer pesquisas nos Estados Unidos por causa do movimento America First, o movimento Maga, eles desconfiam muito de qualquer tipo de mídia, então geralmente não respondem à pesquisas eleitorais. Eu acho que a mesma coisa pode estar acontecendo no Brasil, onde você tem esse ressurgimento desse movimento populista, particularmente a parte cristã evangélica, que eu não tenho certeza se é pesquisada com precisão. Então, acho que esta será uma das eleições mais intensas e dramáticas do século 21. E acho que Bolsonaro vai chegar à vitória a partir de uma onda.
BBC News Brasil – O senhor afirmou que tem trabalhado nesse movimento populista de direita global há anos. O senhor tem atuação direta na campanha de Bolsonaro hoje?
Bannon – Não estou atuando na campanha de Bolsonaro, não trabalho em nenhuma campanha individual em nenhuma nação. Eu acho que isso é um papel para as pessoas de cada país desempenhar. O que eu tento fazer, especialmente com Eduardo, é falar sobre como (desenvolver) um movimento nacionalista populista na América Latina, em como conectá-lo, fazer com que as pessoas de cada país se comuniquem, compartilhem ideias, digam o que está dando certo ou não.
Sempre tentei ser uma espécie de posto de intercâmbio, para garantir que possamos fazer conexões e interconectar pessoas. Acredito que, nesses países, cabe a essas pessoas realmente tomar essas decisões, e as pessoas podem aprender a fazer campanha, aprender a enviar mensagens, aprender a construir redes, etc.
O que é mais impressionante, principalmente com Bolsonaro, é que foi ele quem nos ensinou muitas lições sobre redes sociais. Quando conheci a família Bolsonaro em Nova York, em 2018, fiquei fascinado com a campanha deles. A única preocupação que eu tinha era com a segurança. Naquela época, ele chegava aos aeroportos e era arremessado pra cima e carregado como um jogador de futebol. Eu disse para Eduardo que eles deveriam ser muito mais cautelosos com isso.
Mas o que eu achei mais incrível, tanto com Bolsonaro, quanto com Salvini na Itália, em menor grau, é como eles chegaram praticamente à perfeição no uso do Facebook, no manejo das lives de Facebook, como atraíram multidões quase sem usar dinheiro. Os recursos limitados que Bolsonaro tinha em 2018 e seus resultados são realmente uma lição de política moderna sobre como conduzir uma campanha popular. Obviamente, agora eles estão maiores e mais sofisticados. Mas, ainda hoje, Bolsonaro ainda teria ao menos uma coisa ou duas a ensinar ao presidente Trump sobre como conduzir uma campanha ou sair de uma cilada.
BBC News Brasil – Como foi essa aproximação com a família Bolsonaro?
Bannon – Quis conhecê-los porque eu tinha visto o que eles tinham feito até aquele momento, acho que isso foi em julho de 2018. E eu me lembro de dizer pra eles: “Pessoal, se vocês seguirem nessa direção, mantendo este ritmo, acho que levam no primeiro turno”. E lembro que ele chegou muito perto disso. Acho que ele teve 46% dos votos, e precisava de 50% (mais um).
Quando nos encontramos, ele tinha apenas 16%,17% ou 18%, algo assim. Mas o que eu vi foi alguém que sabia não apenas enviar mensagens, mas se conectar. Eu digo às pessoas quando elas entram na política que precisam estar cientes de que hoje o público sabe identificar falsários. Esse é um dos poderes da Internet. Então, (pra ter sucesso na política) você tem que realmente acreditar no que está propagando e tem que ser capaz de se conectar com as pessoas. Não se trata mais de dinheiro. E eles venceram. Por quê? Em parte, porque eles se conectaram às mídias sociais e saíram interagindo com pessoas.
Bolsonaro obviamente é uma figura carismática, e Lula também. Isso é o que é tão único sobre esta corrida. Você tem duas figuras de estatura global, importantes para o mundo, e que sabem como se conectar com a pessoa comum.
E Bolsonaro tinha realmente o que nos ensinar, porque lembre-se, quando fizemos (a campanha de Trump no) Facebook, principalmente em 2016, gastamos muito dinheiro ali. Quer dizer, nós meio que jogamos o jogo deles no que diz respeito à publicidade. Bolsonaro, não. Ele se conectou com as pessoas com uma mensagem e com sua humanidade e realmente fez com que as pessoas fizessem parte da estratégia do Facebook, ele fez do público parte do processo, algo que realmente não havia sido feito antes, na escala de um país como o Brasil, por isso me surpreendi com esses caras. Essas pessoas realmente levaram a política moderna a outro nível.
Então não, não há conselho que Steve Bannon possa dar a Bolsonaro sobre como fazer uma campanha no Brasil, não apenas sobre as questões do país, mas como se conectar com seus compatriotas.
Acho que o que torna isso tudo tão fascinante é que eu acredito muito nos trabalhadores. E, parte do nosso trabalho tem sido atrair democratas e sindicalistas para a nossa causa. Então, tem coisas que Lula defende que nós acreditamos. Vocês realmente têm dois líderes populistas agora. Acho que o Lula se esgotou com o tempo, mas essa é realmente uma campanha de dois populistas se enfrentando, cabeça a cabeça, e por isso acho fascinante.
BBC News Brasil – O senhor esteve se informando sobre o Lula? Parece bastante interessado nele.
Bannon – Eu sou fascinado pelo Lula. Sou atraído por grandes personalidades. Eu estudei Lula por muitos, muitos anos, e, particularmente, no início dos anos 2000, antes do colapso financeiro global de 2008, ele teve um tremendo sucesso financeiro (no governo). Talvez as pessoas no Brasil não entendam, mas o carisma dele, de Eduardo, do presidente Bolsonaro, é algo que você não vê na política americana, com exceção de Trump e algumas outras poucas pessoas.
Então, eu estudo Lula há muito tempo. Acho-o um personagem fascinante. Acho-o um personagem trágico porque acredito que ele realmente acreditava no que dizia. E acho que ele é uma figura trágica por isso. Eu acho que ele é parte da rede (política) que o Partido Comunista Chinês corrompeu em todo o mundo. É um exemplo perfeito disso.
BBC News Brasil – O senhor diz isso, mas Lula não admite essa proximidade e inclusive tem criticado publicamente a falta de divergências no Partido Comunista Chinês…
Bannon – Acho que ele entende que (a associação) é algo tão negativo, que ele precisa fazer algum tipo de separação, mesmo que ela não seja real. Ele é um político muito experiente, muito sofisticado quando se trata de mídia e, particularmente, mídia global. E acho que ele entende que as coisas pioraram com a questão dos uigures (minoria étnica que teriam seus direitos humanos violados pelo governo chinês).
Se você vai ser um político pragmático e tentar ser eleito em um país ocidental, você tem que sentar lá e dizer: “Oh, o Partido Comunista Chinês é ruim”. Vemos a mesma coisa nos Estados Unidos. Mas a influência do Partido Comunista Chinês na América é bastante profunda. Então, acho que Lula apenas entendeu como é radioativa qualquer associação com o Partido Comunista Chinês e resolveu ser vocal sobre isso.
BBC News Brasil – O senhor mencionou a questão das urnas eletrônicas. Bolsonaro está atrás nas pesquisas de intenção de voto. Ele próprio já admitiu que não tem prova de fraude nas eleições. Inclusive, ele venceu todas as eleições que disputou com a urna eletrônica. Então por que bater nisso? Esse tipo de argumento é legítimo numa disputa política ou é uma forma de deslegitimar o sistema político e a democracia?
Bannon – Essa é uma boa pergunta. Eu nunca fui um sujeito afeito a máquinas. Dito isto, já vi o suficiente da tecnologia, o suficiente dos problemas que tivemos com as urnas eletrônicas nos Estados Unidos, de modo que sou um dos grandes defensores de que adotemos o sistema francês nos Estados Unidos, onde todas as cédulas de papel são preenchidas pelos eleitores no dia de votação, numa sessão eleitoral. E às 21h ou 22h do mesmo dia, você tem os resultados. Se a França pode fazê-lo, os Estados Unidos podem fazê-lo. E acho que o Brasil pode fazer.
Espero e rezo para que tudo aconteça bem (nas eleições brasileiras). E é por isso que estou pedindo um escrutínio e transparência, porque acredito muito que, independentemente do que as pesquisas digam, basta ver o que está acontecendo: acho que Bolsonaro vai subir a ponto de ir com Lula para o segundo turno e, depois, vencê-lo.
Vimos um público massivo no Dia da Independência, se a campanha de Bolsonaro for capaz de transformar cada uma daquelas pessoas em multiplicadores de votos, ele teria o potencial até de ganhar em primeiro turno. Então eu espero que as pessoas fiquem vigilantes sobre essas urnas, porque a última coisa que você quer é qualquer tipo de disputa sobre o resultado.
BBC News Brasil – Mas o senhor está ciente que, historicamente, no Brasil, o voto em papel foi uma enorme fonte de fraude e que até mesmo Bolsonaro, nos anos 1990, advogava pela informatização das eleições para diminuir o problema? Não há uma contradição nisso?
Bannon – Você está absolutamente correta sobre a história. Mas acho que a diferença é que hoje temos processos melhores, sofisticação para lidar com voto em papel, coisa que não tínhamos antes. Os franceses nos ensinaram como fazer. E eles são o modelo.
Por outro lado, máquinas podem ser hackeadas (o TSE nega que urnas possam ser hackeadas no Brasil), com toda essa loucura de servidores e o nível de ataque cibernético que se pode fazer hoje. Então, o sistema em papel pode ser aperfeiçoado, mas o das urnas eletrônicas não pode. Agora, espero que haja e acredito que haverá salvaguardas suficientes e no Brasil, que os agentes públicos estejam trabalhando nisso para que não tenhamos essa controvérsia.
No final das contas, o que você quer ter certeza que aconteça é, independente de quem seja o vencedor, você possa dizer: “Bolsonaro ganhou” e o pessoal do Lula aceita. Ou, “o Lula ganhou” e o povo do Bolsonaro aceita. As pessoas precisam aceitar a derrota, e você só consegue isso através da transparência.
BBC News Brasil – Esse é um ponto central. Pessoas de diferentes países pelo mundo, incluindo os Estados Unidos, estão alertando de que poderia haver no Brasil um evento como o 6 de janeiro.
Bannon – Não acredito nisso, e também acho que o que foi o 6 de janeiro tem sido muito exagerado…
BBC News Brasil – Mas o Capitólio foi invadido, cinco pessoas morreram…
Bannon – (Interrompe a pergunta) A maioria das mortes (no episódio do Capitólio) foi motivada pela reação exagerada da polícia. O dia 6 de janeiro foi exagerado como uma questão política. Os democratas bateram nessa tecla, mas isso não ressoa com o povo americano. Isso até nos ajudou porque eles perderam muito tempo falando disso enquanto (aumentavam) os problemas nos Estados Unidos, particularmente a invasão (de imigrantes) em nossa fronteira sul e o colapso de nossa economia.
Os democratas estão focados nessa coisa da antidemocracia. Nós amamos a democracia. Vamos dar aos democratas um supositório de democracia em 8 de novembro. Como eu acredito que Bolsonaro e seu movimento vão dar a Lula e seus seguidores um supositório de democracia. O que esperamos é transparência, certo? Todo mundo só quer concordar que, afinal, foi uma eleição honesta.
Então, não, eu não acredito que o Brasil vai ter uma situação como o de 6 de janeiro. As razões pelas quais eu acho isso são: Bolsonaro vai ter uma onda e vai vencer, haverá transparência e todo mundo vai fazer o seu trabalho, e é nisso que as pessoas devem se concentrar.
Eu também digo às pessoas no Brasil: se apodere do seu próprio voto e assuma o controle de seu sistema eleitoral. O mundo exterior não deveria estar metendo o nariz nisso, seja o governo dos EUA, o pessoal de (fórum econômico de) Davos ou outros globalistas. Nesta eleição, não poderia haver mais coisas em jogo para o povo no Brasil. Ela deve ser decidida pelo povo do Brasil, por processos que são executados por brasileiros, que os brasileiros possam olhar uns para os outros depois e dizer: ‘tudo bem, eu entendo que isso foi transparente e esse foi o resultado’.
BBC News Brasil – Há uma situação de medo de violência política no país, com sete a cada dez pessoas dizendo temer algum ataque por seu posicionamento político. As pessoas identificam essa violência com Bolsonaro e seu grupo, com as suspeitas lançadas sobre as urnas e a defesa de armamento civil. Nos Estados Unidos, Biden disse que o Maga é um risco à democracia. Esse movimento populista de direita radical respeita a democracia?
Bannon – É um movimento democrático, isso (dizer que não é) é (acusação) da mídia. Vamos ganhar nas urnas. Temos dois terços (do eleitorado) agora nos Estados Unidos. (agregado de pesquisas eleitorais do site FiveThirtyEight mostra que 44.9% dos americanos querem vitória democrata no Congresso, contra 43.4% que preferem republicanos). Vamos tomar a Câmara dos Deputados por, não sei, 30, 40 ou 50 cadeiras. Nós vamos manter nossas posições no Senado e ainda levar duas ou três.
Nós amamos a democracia e aqui está a razão: nós temos os votos. Então, quando Biden vem e demoniza as pessoas é simplesmente porque ele não pode falar sobre seus feitos. Seu governo é um colapso financeiro e econômico do nosso país: inflação fora de controle, recorde na queda do patrimônio líquido (das famílias) do nosso país foi anunciada na semana passada: são US$ 6 trilhões (a menos) para o povo americano.
Eles querem falar sobre 6 de janeiro e democracia, eu digo, vamos esperar até a noite de 8 de novembro (eleição nos EUA) e ver para quem a democracia funciona, ok? Acredito piamente, somos um movimento de base, temos estratégia de política local: assumir o governo local, assumir o conselho escolar local, assumir os postos de funcionários eleitos locais. E como você faz isso? Você vota em si mesmo e nos seus e então a gente vai ter mais votos.
Mesma coisa com Bolsonaro. Você vê o quanto a mídia global bate nele. É por isso que eu diria às pessoas no Brasil: vá votar e convença todo mundo a votar, é assim que as insurgências populistas ganham, nós ganhamos nas urnas.
E, lembre-se, viemos de trás. Quando assumi a campanha de Trump (em 2016), tínhamos 88 dias pela frente, o presidente Trump estava quatro, oito, doze pontos atrás nas pesquisas e nós ganhamos. Foi a maior surpresa de um azarão de todos os tempos. Por quê? Porque nós fomos e nos comunicamos com pessoas da classe trabalhadora em Wisconsin, Michigan e Pensilvânia. É o que estamos fazendo desta vez. Teremos vitórias arrebatadoras e faremos isso com uma coisa chamada voto. O Presidente Joe Biden fala em terrorismo doméstico? O que as mães que vão para os conselhos escolares têm de terroristas domésticas? É tudo um disparate. As pessoas veem isso, e vão às urnas e vão votar.
BBC News Brasil – Algumas pessoas argumentam que o 6 de janeiro foi uma tentativa de golpe de Estado, já que estava acontecendo a certificação de votos do presidente Biden no Congresso, e essas pessoas interromperam isso, invadiram o prédio com armas…
Bannon – (interrompe a pergunta) Lamento dizer, mas isso é mentira. Ninguém nunca provou que as pessoas na multidão tivessem armas (a reportagem da BBC News Brasil presenciou pessoas com tacos de beisebol e hastes de bandeiras na área externa ao Capitólio e o FBI afirmou também que havia gente com spray de pimenta e artefatos explosivos de fabricação caseira). O 6 de janeiro e o que aconteceu, o motim no Capitólio, isso trabalhou contra nós, foi um erro, porque (derrubou) tudo pelo que trabalhamos. Estávamos prestes a ter 24 horas, 12 horas em cada Casa (Senado e Câmara) para passar por cada um dos seis estados em que havia controvérsias.
Eu nunca disse que eles seriam contados como eleitores de Trump, mas que os eleitores de Biden não poderiam ser certificados de acordo com as regras estabelecidas na Lei de Contagem Eleitoral de 1887. Isso forçaria o que chamamos de eleição contingente, que obrigaria a Câmara dos Deputados a entrar e não votar pela consciência do membro individual, mas por delegação estadual-partidária. Nessa votação, Trump ganharia por 27 a 23, ou se você incluir (a republicana anti Trump) Liz Cheney em Wyoming, por 26 a 24.
Eu ainda acredito nisso. Acredito que (o vice-presidente) Mike Pence (que presidia a sessão que sacramentou a vitória de Biden) tomou a má decisão (o atual entendimento majoritário no país é que Pence tinha responsabilidade apenas cerimonial, sem poderes para alterar a certificação dos votos. Pence se recusou a atuar no plano de Trump).
Eu acredito que você verá isso começando em janeiro ou fevereiro do ano que vem, com a nova (composição) da Câmara, quando eles vão julgar de verdade o que houve no 6 de janeiro (Bannon se recusou a testemunhar diante da Comissão Congressual que investiga o que aconteceu no 6 de janeiro e enfrenta processo judicial por isso). O que precisamos é de um fórum para julgar isso em um contexto adequado, com os democratas tendo posição minoritária.
Sou um grande defensor de que temos que fazer isso. O país está meio que em chamas. Lembre-se, 40% a 45% do povo americano não acham que Joe Biden é um presidente legítimo. Eu não acho que ele seja legítimo. Isso nunca aconteceu em nossa nação. Nunca tivemos dúvidas sobre a legitimidade de (Abraham) Lincoln. Na verdade, o fato de ele ser legítimo é o que causou a Guerra Civil.
BBC News Brasil – As semelhanças entre Trump e Bolsonaro são evidentes e já falamos delas. Mas o senhor vê algum paralelo entre Biden e Lula?
Bannon – Ele está fazendo uma campanha como Biden. Quer dizer, acho que o que é tão interessante ou curioso é que aqui temos uma figura populista dinâmica que não está realmente hoje executando uma campanha populista dinâmica. Acho que a comemoração dos 200 anos foi o exemplo mais contundente de que ele não é um populista numa campanha popular. As multidões não estão lá, a intensidade não está lá.
BBC News Brasil – Trump deixou o poder, Bolsonaro está atrás nas pesquisas agora, na América Latina governos de direita perderam as eleições, na Europa Ocidental isso também vem acontecendo, a candidata da direita radical Marine Le Pen não venceu Emmanuel Macron, na França…
Bannon – (interrompe) Calma lá, calma lá. Depois de Le Pen na presidencial, na eleição regional, Macron perdeu feio (pra direita radical) e, por isso, ele não consegue governar. Mas, na América Latina, eu concordo com você, houve um movimento recente de esquerda populista. Uma coisa que acho que podemos concordar é que o mundo está se tornando mais populista. Partidos mais tradicionais, seja à esquerda ou à direita, ou centro, não têm conseguido entregar para as pessoas o que as pessoas querem. Então, os vitoriosos têm sido mais os populistas.
Mas veja o Chile, onde você tem (Gabriel Boric) uma personalidade jovem e dinâmica vinda da esquerda populista que prometeu muito e, de repente, houve o golpe esmagador que o povo chileno deu na votação da Constituição (que acabou rejeitada), acho que isso mostra que ainda há uma forte soberania nacionalista e uma direita populista no Chile que também pode trazer moderados e centristas. Então, há, sim, um fluxo e refluxo.
Acho que as coisas estão mais populistas agora. Acho que o Brasil é um exemplo perfeito disso. Acredito que a direita populista está em ascensão, mas você tem que entregar. Lembre-se, uma vez que você está no poder, você tem que ser capaz de entregar (bons resultados) para as pessoas. Acho que isso é fundamental.
BBC News Brasil – Que críticas você faria aos governos da direita populista?
Bannon – Tudo é um processo. Se você olhar para o primeiro ano do governo Trump, uma das coisas que mais nos prejudicaram é que tínhamos 4 mil posições para preencher na administração no governo americano, mas nós não tínhamos (pessoas suficientes para isso), éramos um movimento relativamente novo que vencia a primeira grande eleição nacional e precisávamos de pessoas de qualidade para colocar lá.
Se você olhar para o Bolsonaro, essas situações também acontecem, (a dificuldade) de preencher o governo com pessoas competentes que possam realmente efetuar mudanças. E acho que você vai ter algumas vitórias dos populistas em que talvez os governos não tenham um bom desempenho. Isso não é o fim do mundo. Lembre-se, tudo isso é um processo.
Com Salvini e o que eles fizeram, é quase um exemplo perfeito. Tínhamos a esquerda e a direita se juntando e no final, eles não conseguiram deixar suas diferenças totalmente de lado e esse governo durou apenas alguns anos, mas foi um bom experimento. Mas agora você tem Giorgia Meloni liderando uma coalizão realmente à direita e o grupo de Salvini e outros fazem parte dela. Você tem mais pessoas, elas são mais qualificadas, são mais gente numericamente.
Nos Estados Unidos, estamos treinando pessoas hoje para que, quando vencermos em 2024, estejamos prontos para assumir o comando imediatamente. Eu acho que você vê isso em governos em geral, particularmente na América Latina, a escassez de pessoal que também pode implementar políticas.
Não é um mundo perfeito. Você não vai ganhar todas as eleições. E, quando você ganha, pode não estar no poder para sempre, mas faz parte de um processo. Se você olhar para o fluxo desde a crise financeira de 2008, não há absolutamente nenhuma dúvida de que a direita nacionalista populista não é apenas ascendente, que nós ganhamos muito mais do que perdemos, e fizemos algumas mudanças bastante significativas, seja Trump, Brexit e Bolsonaro no Brasil. Portanto, acreditamos direcionalmente que estamos avançando não apenas em marcha, mas também em ascensão.
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