Para Fabiana de Felício, que foi a primeira diretora de Estudos Educacionais do Inep em 2005, a meta que em 2007 foi estipulada para 2021 deveria ser postergada por mais uma edição, para a avaliação final da política e o desenho de melhorias. Quando o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) desenhou um indicador para avaliar o aprendizado e a taxa de aprovação dos estudantes de todas as etapas do ensino básico, em 2007, a equipe por trás da nova política estimou que, em setembro de 2022, o Brasil estaria comemorando o bicentenário da Independência, quem sabe, com a boa notícia de que o país já teria atingido, em 2021, um patamar mínimo de qualidade da educação em todas as etapas de ensino.
O contexto atual, no entanto, acabou tão distante do vislumbrado há 15 anos que, para Fabiana de Felício, a primeira diretora de Estudos Educacionais do Inep, que chefiou a equipe criadora do Ideb, o governo federal deveria adiar a verificação final do atingimento ou não da meta. E, em seguida, adotar mudanças para aperfeiçoar o indicador.
“Acho que deveriam prorrogar”, afirmou ela em entrevista à TV Globo. “O Plano Nacional de Educação [PNE] acaba em 2024. Dada a pandemia, podemos prorrogar [a meta do Ideb] para 2023. Passa a meta para 2023 e checa em 2024. Acaba o PNE, cria outro indicador que vai durar dez anos, duração do próximo Plano Nacional de Educação.”
Segundo ela, “era para comemorar [bons resultados] agora”, mas a pandemia acabou transformando a edição de 2021 em um número que não reflete o histórico das redes de ensino durante as outras sete edições da política.
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Qualidade de ‘país desenvolvido’
Para os anos iniciais do fundamental, a meta foi definida com o valor 6 porque, segundo o Inep, ele “corresponde a um sistema educacional de qualidade comparável ao dos países desenvolvidos”.
Para os anos finais do fundamental, a meta para o Brasil em 2021 era de 5,5 e, para o ensino médio, de 5,2.
Para chegar à média brasileira, as escolas e redes têm suas próprias metas, algumas acima e outras abaixo dos patamares nacionais, calculadas a partir da primeira edição em 2005. Mas com metas intermediárias projetadas até 2096 para reduzir as desigualdades regionais e elevar todas as escolas até o teto de 9,9 no ensino fundamental 1 (do 1º ao 5º ano).
Nesta sexta-feira (16), o Ministério da Educação (MEC) divulgou os dados do Ideb 2021, resultados de uma Prova Brasil aplicada em meio à pandemia do novo coronavírus e em meio a um dos maiores retrocessos recentes no acesso e na qualidade de ensino no país.
‘Uma vela na escuridão’
Felício, que é formada em economia e, depois de vários anos atuando no Inep, criou e dirige a Metas Sociais, uma consultoria especializada em políticas sociais baseadas em evidências, integra o time de especialistas educacionais que defendem a divulgação dos resultados do Ideb 2021 mesmo em meio à eleição e com números que podem fugir da série histórica e não ser comparáveis com as edições anteriores.
“Vamos considerar esse resultado como uma vela numa escuridão. Não é um farol. Mas a gente está no escuro, a gente não sabe de nada. Agora vai acender uma vela para tentar entender”, afirma Fabiana de Felício, diretora da Metas Sociais.
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Ela explica que os indicadores divulgados nesta sexta não servem especificamente para os gestores atuarem dentro de suas redes, mas têm valor acadêmico e histórico.
“A situação do segundo semestre de 2021 [quando os estudantes fizeram a Prova Brasil] é muito diferente de agora. Tinha gente que nem tinha voltado às aulas. Para diagnóstico, para acompanhamento, para você avaliar o que está acontecendo na sua rede, esse dado não é bom, não é esse o dado que você vai usar. É para o registro histórico, para os pesquisadores tentarem entender qual foi o impacto da pandemia. É uma fotografia de um momento muito particular.”
Ela concorda, porém, que os resultados dessa edição devem ser analisados com cuidado. “Não é só pegar e comparar com outros anos, se subiu, se caiu. Cada caso vai ser um caso. Mas é uma informação super importante, não pode jogar fora nem esconder”, defende ela.
“É o momento de discutir isso. E tem que mudar talvez esse foco. É importante [discutir isso] para quê?”
Efeitos da pandemia no Ideb
Entre as particularidades do Ideb 2021 ela destaca a queda na taxa de participação da prova, que deve ter ocorrido principalmente nas redes que tiveram mais estudantes perdendo o vínculo com a escola e não conseguiram evitar o aumento no risco de evasão.
Como resultado, tanto a nota média do aprendizado quanto a taxa de aprovação, os dois componentes do Ideb, podem ter sido afetados.
“Onde teve participação mais baixa é onde teve muito problema, onde a criança não conseguiu frequentar, onde teve perda de vínculo. Ele faz uma ótima fotografia para a gente começar a estudar e entender o que aconteceu.”
Ela afirma ainda que, nas redes que tiverem alta na taxa de aprovação porque praticaram a aprovação automática tanto em 2020 quanto em 2021, é possível que o Ideb também tenha subido por causa disso. “Mas, se cresceu por causa disso e não caiu a nota, ótimo. Então já deveria ter feito isso [aumentar a aprovação] antes”, diz ela, explicando que isso significa que “as crianças estão terminando antes com nota adequada”.
Equilíbrio na avaliação
Felício conta que a ideia de criar o Ideb surgiu para garantir que o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) conseguisse enxergar as redes de ensino dentro de uma escala comparativa, para garantir que as redes que precisassem de mais ajuda para melhorar a qualidade da educação tivessem acesso prioritário aos recursos do orçamento federal.
Na época, a decisão por avaliar o aprendizado combinado com o fluxo (ou seja, a porcentagem dos estudantes que passam de ano) foi feita para evitar aumentar o problema da evasão escolar.
“O problema é que, se você só se preocupa com a aprendizagem, as redes e escolas expulsam os alunos que não têm os melhores desempenhos. Por isso, o Ideb é composto pelas duas parcelas. É para ter equilíbrio. Se reprovar todo mundo, o Ideb cai. Se aprovar todo mundo, mas eles não aprendem, cai a proficiência”, diz Fabiana Felício.
O futuro do Ideb
A especialista afirma que, depois de 15 anos da primeira política nacional capaz de avaliar a qualidade da educação básica de todas as escolas públicas do Brasil, é chegada a hora de incorporar melhorias ao Ideb.
A discussão é quais avanços e mudanças devem ser adotados. “Em 2023, devem retomar as provas de ciências. Um novo Ideb tem que contemplar as notas de ciências”, exemplificou ela.
Um risco que, segundo ela, pode contar contra o Ideb é incluir muitos componentes, e transformá-lo num indicador que confunda os gestores escolares.
“Não tem por que fazer um indicador muito complicado. Esse indicador é muito bem aceito nas escolas, nas redes, porque ele é muito simples. E mesmo assim as pessoas confundem. A quantidade de pessoas que confundem Saeb [o Sistema de Avaliação da Educação Básica, de onde sai a Prova Brasil] e Ideb é imensa. Você já tem confusão com um indicador que tem dois componentes”, explica.
“Espero que não volte a ser o que era antes”, diz a co-criadora do Ideb. “O único consenso é que dá para fazer uma coisa melhor, tem que ter um avanço.”
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